Moacir Santos (1926-2006): maestro e compositor
Aqui vai a história de
uma canção popular: “Nanã”, composição genial do maestro pernambucano Moacir
Santos (1926-2006), com letra do músico e pintor carioca Mario Telles
(1926-2001). [Calma, se você não conhece a canção, terá a oportunidade de
ouvi-la mais abaixo.]
Moacir Santos conta que, para criar a melodia básica de “Nanã”, viu, como num
sonho, uma procissão de negros. De fato, o andamento da música lembra pessoas
rezando numa procissão. Mas por que Nanã? No álbum “Maestro”, de 1972, ele
detalha a história, em inglês: “Frequentemente, as pessoas me perguntam como me
inspirei para escrever essa canção. Bem, eu estava meditando à beira d’água e,
como um sonho, uma visão, vi Nanã vindo em minha direção: ‘Você viu Nanã? Você
viu Nanã?’”. Confesso que não entendi bem como se dá a junção dos dois relatos.
Mas isso não tem a menor importância.
Santos começou sua carreira tocando em bandas no sertão pernambucano. Ele nasceu
em São José do Belmonte, cidade de Pernambuco que faz limites com o Ceará e a
Paraíba. Na década de 1940, foi contratado pela Rádio Nacional do Rio de
Janeiro. Depois, morou em São Paulo, onde regia a orquestra da TV Record. Em
1967, mudou-se para Los Angeles, Califórnia, EUA. Por fim, estabeleceu moradia
fixa em Pasadena, também na Califórnia, onde viveu compondo trilhas sonoras para
o cinema e dando aulas de música.
Na letra do “Samba da Bênção” (Baden/Vinicius), Vinicius de Moraes homenageia o
maestro. “A bênção, maestro Moacir Santos / tu que não és um só, és tantos /
como este meu Brasil de todos os santos / inclusive meu São Sebastião”.
“Nanã”, na origem uma composição puramente musical, recebeu uma letra, escrita
pelo cantor e compositor Mario Telles. Mario era irmão da cantora bossa-novista
Sylvia Telles (1934-1966). Sylvia, por sua vez, era mãe da também cantora
Claudia Telles (1957-2020). E é esta última quem faz, a meu ver, a melhor
interpretação de “Nanã”. Mas a canção teve versões importantes, como as de
Wilson Simonal, em seu álbum “A Nova Dimensão do Samba”, de 1964, e de Nara
Leão, no mesmo ano, embora Nara não cante a letra, apenas solfeje a melodia.
Na verdade, quando Nara fez a gravação, Mário Teles ainda não havia escrito
a letra. No livro Nara Leão: uma biografia, Sérgio Cabral informa esse detalhe.
Nanã, ou Nanã Buruquê, segundo a mitologia iorubá, é a mãe da criação, a mais
velha dos orixás femininos. Por isso representa a velhice. Além de cantar muito
bem, Claudia Telles, sobrinha do letrista Mario Telles, faz todo o gestual de
Nanã. Observem, no vídeo indicado mais abaixo, como ela se curva, assumindo o aspecto de uma anciã.
Em disco, Claudia Telles gravou “Nanã” no álbum “Sambas & Bossas” (CID, 2002).
Um detalhe interessante sobre essa cantora: Claudia Teles fez sucesso nos anos
70 com músicas pop. Contudo, ao amadurecer, dedicou-se à MPB, seguindo os passos
da família.
Em 2014, a musicista e pesquisadora carioca Andrea Ernest Dias publicou o livro
Moacir Santos, ou Os caminhos de um músico brasileiro, relançado em 2016
pela editora original, Folha Seca, em parceria com a Cepe - Companhia Editora de
Pernambuco. (Veja aqui um
texto da autora sobre Moacir Santos.)
Mas voltemos à canção “Nanã”. Ouça-a no clipe abaixo, na interpretação de Claudia
Telles.
O violonista, não identificado no YouTube, é o também compositor e arranjador
Marcelo Lessa.
Claudia Telles canta “Nanã” (clique na imagem para ver o clipe no
YouTube)
NANÃ
(Moacir Santos / Mario Telles)
Esta noite, quando eu vi Nanã
Vi a minha deusa ao luar
Toda a noite eu olhei Nanã
A coisa mais linda de se olhar
Que felicidade achar, enfim
Esta deusa vinda só pra mim, Nanã...
E agora eu só sei dizer
Toda a minha vida é Nanã
É Nanã, é Nanã, é Nanã, é Nanã
Esta noite, nos delírios meus
Vi nascer um novo amanhã
Veio o dia com um novo sol
Sol da luz que vem de Nanã
Adorar Nanã é ser feliz
Tenho a paz, o amor e tudo que eu quis
E agora eu só sei dizer
Toda a minha vida é Nanã
É Nanã, é Nanã, é Nanã, é Nanã
* * *
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Outras Palavras
Carlos Machado,
2022
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* Lenilde Freitas “A T.S. Eliot”, in Tributos (1994)
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