Número 23

27/10/2022

«O orvalho lava com a língua o rubro da romã.» (Lenilde Freitas) *
 

Moacir Santos
    Moacir Santos



Caras e caros,

Nesta crônica, traço um breve histórico sobre a canção “Nanã”, composição do maestro pernambucano Moacir Santos.



Carlos Machado


 

 



 

“É Nanã, é Nanã”

         
Carlos Machado
 


As origens da canção “Nanã”, de Moacir Santos

Beatles
Moacir Santos (1926-2006): maestro e compositor


Aqui vai a história de uma canção popular: “Nanã”, composição genial do maestro pernambucano Moacir Santos (1926-2006), com letra do músico e pintor carioca Mario Telles (1926-2001). [Calma, se você não conhece a canção, terá a oportunidade de ouvi-la mais abaixo.]

Moacir Santos conta que, para criar a melodia básica de “Nanã”, viu, como num sonho, uma procissão de negros. De fato, o andamento da música lembra pessoas rezando numa procissão. Mas por que Nanã? No álbum “Maestro”, de 1972, ele detalha a história, em inglês: “Frequentemente, as pessoas me perguntam como me inspirei para escrever essa canção. Bem, eu estava meditando à beira d’água e, como um sonho, uma visão, vi Nanã vindo em minha direção: ‘Você viu Nanã? Você viu Nanã?’”. Confesso que não entendi bem como se dá a junção dos dois relatos. Mas isso não tem a menor importância.

Santos começou sua carreira tocando em bandas no sertão pernambucano. Ele nasceu em São José do Belmonte, cidade de Pernambuco que faz limites com o Ceará e a Paraíba. Na década de 1940, foi contratado pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Depois, morou em São Paulo, onde regia a orquestra da TV Record. Em 1967, mudou-se para Los Angeles, Califórnia, EUA. Por fim, estabeleceu moradia fixa em Pasadena, também na Califórnia, onde viveu compondo trilhas sonoras para o cinema e dando aulas de música.

Na letra do “Samba da Bênção” (Baden/Vinicius), Vinicius de Moraes homenageia o maestro. “A bênção, maestro Moacir Santos / tu que não és um só, és tantos / como este meu Brasil de todos os santos / inclusive meu São Sebastião”.

“Nanã”, na origem uma composição puramente musical, recebeu uma letra, escrita pelo cantor e compositor Mario Telles. Mario era irmão da cantora bossa-novista Sylvia Telles (1934-1966). Sylvia, por sua vez, era mãe da também cantora Claudia Telles (1957-2020). E é esta última quem faz, a meu ver, a melhor interpretação de “Nanã”. Mas a canção teve versões importantes, como as de Wilson Simonal, em seu álbum “A Nova Dimensão do Samba”, de 1964, e de Nara Leão, no mesmo ano, embora Nara não cante a letra, apenas solfeje a melodia. Na verdade, quando Nara fez a gravação, Mário Teles ainda não havia escrito a letra. No livro Nara Leão: uma biografia, Sérgio Cabral informa esse detalhe.

Nanã, ou Nanã Buruquê, segundo a mitologia iorubá, é a mãe da criação, a mais velha dos orixás femininos. Por isso representa a velhice. Além de cantar muito bem, Claudia Telles, sobrinha do letrista Mario Telles, faz todo o gestual de Nanã. Observem, no vídeo indicado mais abaixo, como ela se curva, assumindo o aspecto de uma anciã.

Em disco, Claudia Telles gravou “Nanã” no álbum “Sambas & Bossas” (CID, 2002). Um detalhe interessante sobre essa cantora: Claudia Teles fez sucesso nos anos 70 com músicas pop. Contudo, ao amadurecer, dedicou-se à MPB, seguindo os passos da família.

Em 2014, a musicista e pesquisadora carioca Andrea Ernest Dias publicou o livro Moacir Santos, ou Os caminhos de um músico brasileiro, relançado em 2016 pela editora original, Folha Seca, em parceria com a Cepe - Companhia Editora de Pernambuco. (Veja aqui um texto da autora sobre Moacir Santos.)

Mas voltemos à canção “Nanã”. Ouça-a no clipe abaixo, na interpretação de Claudia Telles. O violonista, não identificado no YouTube, é o também compositor e arranjador Marcelo Lessa.




Claudia Telles canta “Nanã” (clique na imagem para ver o clipe no YouTube)


NANÃ
(Moacir Santos / Mario Telles)

Esta noite, quando eu vi Nanã
Vi a minha deusa ao luar
Toda a noite eu olhei Nanã
A coisa mais linda de se olhar
Que felicidade achar, enfim
Esta deusa vinda só pra mim, Nanã...
E agora eu só sei dizer
Toda a minha vida é Nanã
É Nanã, é Nanã, é Nanã, é Nanã

Esta noite, nos delírios meus
Vi nascer um novo amanhã
Veio o dia com um novo sol
Sol da luz que vem de Nanã
Adorar Nanã é ser feliz
Tenho a paz, o amor e tudo que eu quis
E agora eu só sei dizer
Toda a minha vida é Nanã
É Nanã, é Nanã, é Nanã, é Nanã

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poesia.net
Outras Palavras

Carlos Machado, 2022

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* Lenilde Freitas
  “A T.S. Eliot”, in Tributos (1994)