Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002
Embora fosse confessadamente agnóstico, Drummond sempre se
preocupou, em sua poesia, com a relação do homem com a divindade.
Para mim, esse "Combate" é um dos textos mais bonitos
sobre o tema.
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Michelangelo, A Criação de Adão
(1512)
Nem eu posso com Deus nem pode ele
comigo.
Essa peleja é vã, essa luta no escuro
entre mim e seu nome.
Não me persegue Deus no dia claro.
Arma, à noite, emboscadas.
Enredo-me, debato-me, invectivo
e me liberto, escalavrado.
De manhã, à hora do café, sou eu quem desafia.
Volta-me as costas, sequer me escuta,
e o dia não é creditado a nenhum dos contendores.
Deus golpeia à traição.
Também uso para com ele táticas covardes.
E o vencedor (se vencedor houver) não sentirá prazer
pela vitória equívoca.
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Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002 |
— Poeta, Deus existe?
—
CDA: A mim é que você vai perguntar? Eu sei lá!
Não tenho nenhuma prova de que ele existe. Você acha que ele existe? É
opinião sua. Quem afirma que ele existe ou não existe emite uma opinião
puramente pessoal, porque não há nenhuma base científica para afirmar ou
negar a existência de Deus. O que se pode verificar imediatamente é que
existe uma ordem natural, uma organização do universo físico. E essa
organização por uns é atribuída a um espírito superior chamado Deus. Por
outros é atribuída a um mistério que a natureza vai sucessivamente
deslindando —
mas ainda está muito longe de esclarecer de todo. Fico no meio.
Considero-me agnóstico. Sou uma pessoa que não tem capacidade
intelectual e competência para resolver o problema infinito que é se
existe ou não existe uma divindade.
(CDA, em sua última entrevista, concedida a Geneton Moraes Neto.
In O Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, Ed. Globo, 1994.)
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