Renata Pallottini
Caros amigos,
Imaginem uma forma de expressão artística baseada na palavra,
e certamente a paulistana Renata Pallottini já percorreu. Poeta, advogada,
dramaturga, professora universitária, romancista, ela é um exemplo raro de versatilidade
intelectual.
Seus livros contam-se às dezenas: vão da poesia ao romance, dos estudos sobre
dramaturgia às peças de teatro e volumes de literatura infantil, sem contar o
que Renata escreveu para a televisão. Mas deixemos de lado a artista múltipla e
concentremos a atenção na poeta.
Renata Pallottini, se as contas não me
enganam, publicou dez livros de poesia. A parte mais ponderável de sua poesia
está em Obra Poética (Hucitec, 1995), que reúne textos de
1956 a 1993. Desse volume extraí "O Grito", um poema forte e cheio de uma
sensível valentia humana.
Mas o brinde especial, oferecido pela própria Renata aos leitores deste boletim,
é o poema inédito "Senhor Imperador", escrito este ano sob o influxo das bombas
anglo-americanas na invasão ao Iraque.
Agora, só nos resta degustar os poemas e agradecer a Renata Pallottini a gentileza de
nos franquear um texto inédito.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Carta ao senhor da guerra
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Renata Pallottini |
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SENHOR IMPERADOR
(inspirado em Boris Vian)
Senhor Imperador:
escrevo-lhe estas linhas
em nome das mulheres
— as pobres e as rainhas.
Em nome das manhãs
que nascerão sem paz;
em nome das crianças
que nascerão sem pais.
Senhor Imperador:
se é bom fazer a guerra
por que não vai você
o homem que não erra?
Se a pátria pede sangue
por que não dá o seu?
Por que matar o moço
que ainda não viveu?
Um Deus que não o seu
louvando a vida humana
virá pra nos salvar
da garra dos tiranos
dos amantes da morte,
dos senhores da Dor.
Terá fim o seu crime,
Senhor Imperador!
O GRITO
se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos
se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse
se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer
se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas
se ao menos esta dor sangrasse
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