Número 23

São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2003 

"Tornei-me o diário de uma viagem cancelada." (Fabrício Carpinejar)
 


Ieda Estergilda de Abreu


Caros amigos,

Ipês amarelos e roxos povoam a rua.// Piso no chão de flores/ meu coração renasce. (Primavera)

Com poemas assim, com cheiro de flor e sabor de haikai, a poeta e jornalista Ieda Estergilda de Abreu pinta paisagens com palavras. Essa é uma das características que se destacam em seu quarto e mais recente livro de poesia, A Véspera do Grito.

Ieda constrói cenas do mundo externo ou revela instantâneos de estados d'alma. Às vezes, o tom é
contemplativo e suave. Às vezes, mais buliçoso e sangüíneo, como no poema-título, "A Véspera do Grito".

Para este boletim escolhemos dois poemas de Ieda. Em "Ideário (1)" ela monta um jogo rítmico e  encantatório entre o que passa e o que fica. Em "P de Palavra e Pedra", destaca a força concreta do verbo convertido em pedra. Cearense, vivendo em São Paulo desde os anos 70, Ieda Abreu atua na área do jornalismo cultural. É editora de O Escritor, jornal da União Brasileira de Escritores.

Um abraço,

Carlos Machado

 

Paisagens com palavras

Ieda Estergilda de Abreu

 



IDEÁRIO (1)

A palavra passa
o gesto fica
o carro passa
o pé fica
o foguete passa
a estrela fica
o adeus passa
a mão fica
o abraço passa
o calor fica
a guitarra passa
a música fica
a bola passa
o jogo fica
o cabelo passa
a cabeça fica
os navios passam
o mar fica
os deuses passam
o homem-deus fica.




P DE PALAVRA E PEDRA

Palavras às vezes pesam como pedras
ferem a boca como pedra que se mastiga.
Agudas, acertam rápidas como pedras
dirigidas
esfriam como pedras frias na boca
ressentida
pensam e pedram como pedras no caminho.

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Carlos Machado, 2003

Ieda Estergilda de Abreu
In A Véspera do Grito
Editora Com-Arte, São Paulo, 2001