Número 25

São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003 

«Tudo é diferente de nós, e por isso é que tudo existe.» (Alberto Caeiro)
 


Sônia Régis

Caros amigos,

Sônia Régis, catarinense, é poeta, romancista, tradutora e ensaísta. Tomei contato com a poesia de Sônia de uma forma bem pós-moderna: li um poema dela num site. Esse site dava um link para fazer o download de livros dela no formato de e-books.

Baixei o livro efeitos do (in)significante, do qual extraí os poemas ao lado. Mas antes solicitei (e obtive) autorização da poeta — por e-mail. Ela também me enviou, para este boletim, uma foto digital. Portanto, foi tudo virtual, digital, e-contato.

Felizmente, a poesia de Sônia não tem nada da frieza digital que se supõe embutida na tecnologia. É fácil constatar isso nos três pequenos textos "havia um porto", "na exígua laje" e "a escrita" (faço, aqui, a referência pelos primeiros versos, pois Sônia, em efeitos, não titula os poemas).

Em "havia um porto", encontra-se um lirismo moderno, bastante contido, mas que se entrega, no final, quando a poeta atraca, naquele ancoradouro, a velha e conhecida saudade.

Nos cinco versos de "na exígua laje", o que se destaca é a força das metáforas. Atentem, por fim, para a reflexão sobre o ato de escrever: "nudez de nervos na página".



Abraço,

Carlos Machado

 


 

 

Um cais chamado saudade

Sônia Régis

 

      •

havia um porto

antes

ao alcance da vista

 

um ponto

onde as naus

suspendiam viagem

 

as velas arfavam

desenfunadas

e sonhavam

 

a lua sobre o mar

era um sabre

aparando a água

 

havia um porto

antes

ao alcance do corpo

 

(um ponto

onde hoje atraco a saudade

e mais nada)
 

      •

 

na exígua laje

o nome em brasa

 

a primavera exala um odor patético

do peito do mármore

: a lâmina fina de tua morte me transpassa

 

da pedra ignara

um cancro floresce 
 

      •

a escrita
(como nos estudos de Leonardo)
é corpo dissecado

os músculos saltam dos traços
marcando a delicada anatomia
do rosto que a vida grafa

no desenho tosco:
o engenho do pensamento
nudez de nervos na página

 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003

Sônia Régis
•  In
efeitos do (in)significante
(volume em formato de e-book, disponível em www.ebooksbrasil.com)

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