Número 28

São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003 

«Tudo é sempre despedida. // Nenhuma hora/ é própria para a dança.» (Iacyr Anderson Freitas)
 


           Jacques Prévert


Caros,

O poeta francês Jacques Prévert (1900-1977) é daqueles que são absoluto sucesso de público mas enfrentam o nariz torcido da crítica, que o acusa de não ter sofisticação. Também letrista de canções populares, ele é talvez o poeta de seu país mais conhecido no século 20. Em certo sentido, Prévert é um Vinícius francês.

A contradição que Prévert representa é clara: durante o século 20, a poesia se tornou uma coisa cada vez mais difícil, mais distante do cidadão comum. Normal, mas real. Nadando contra a corrente, Prévert conquistou foros de poeta popular, largamente admirado na França e fora dela.

Isso não aconteceu por acaso.  Leia os dois poemas ao lado e conclua: o público tem razão! As palavras são simples, as frases idem. No poema "Familiar", um aspecto que se perde na tradução mas não há outro jeito! — são as assonâncias entre as coisas e os personagens: père, mère, guerre, affaires, cimitière.

Um abraço,

Carlos Machado

 

 

Um poeta popular

Jacques Prévert
 

                                  Tradução: Silviano Santiago




CAFÉ DA MANHÃ

Pôs café
na xícara
Pôs leite
na xícara com café
Pôs açúcar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
Sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
E chorei.



DÉJEUNER DU MATIN

Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec le petit cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a resposé la tasse
Sans me parler
Il a alumé
Une cigarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis des cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s'est levé
Il a mis
Son chapeau sur la tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu'il pleuvait
Il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
E moi j'ai pris
Ma tête dans ma main
E j'ai pleuré.

 

 

Martin Driscoll - Woman Knitting
Martin Driscoll, Mulher Tricotando

 


FAMILIAR

A mãe faz tricô
O filho vai à guerra
Tudo muito natural acha a mãe
E o pai que faz o pai?
Negocia
A mulher faz tricô
O filho luta na guerra
Ele negocia
Tudo muito natural acha o pai
E o filho e o filho
o quê que o filho acha?
Nada absolutamente nada acha o filho
O filho sua mãe faz tricô seu pai negocia ele
                                      [ luta na guerra
Quando tiver terminado a guerra
Negociará com o pai
A guerra continua a mãe continua ela tricota
O pai continua ele negocia
O filho foi morto ele não continua mais
O pai e a mãe vão ao cemitério
Tudo muito natural acham o pai e a mãe
A vida continua a vida com o tricô a guerra
                                      [ os negócios
Os negócios a guerra o tricô a guerra
Os negócios os negócios e os negócios
A vida com o cemitério.


FAMILIALE

La mère fait du tricot
Le fils fait la guerre
Elle trouve ça tout naturel la mère
Et le père qu'est-ce qu'il fait le père?
Il fait des affaires
Sa femme fait du tricot
Son fils la guerre
Lui des affaires
Il trouve ça tout naturel le père
Et le fils et le fils
Qu'est-ce qu'il trouve le fils?
Il ne trouve rien absolument rien le fils
Le fils sa mère fait du tricot son père des
                            [ affaires lui la guerre
Quand il aura fini la guerre
Il fera des affaires avec son père
La guerre continue la mère continue elle
                           [ tricote
La père continue il fai des affaires
Le fils est tué il ne continue plus
La père et la mère vont au cimetière
Ils trouvent ça naturel le père et la mère
La vie continue la vie avec le tricot la guerre
                          [ des affaires
Les affaires la guerre le tricot la guerre
Les affaires les affaires et les affaires
La vie avec le cimitière.
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003

•  Jacques Prévert
    In Poemas
   
Seleção e tradução de Silviano Santiago
    Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1985
_____________
- Imagem: Martin Driscoll (1939-2011), irlandês