Número 35

São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 2003 

«Uma noite, sentei a beleza no meu colo. — E a achei amarga. — E injuriei-a.» (Arthur Rimbaud)
 


Roberval Pereyr


Caros,

O poeta baiano Roberval Pereyr (1953-) é um dos mais ativos militantes da poesia no país. Co-fundador da revista Hera, junto com o poeta Antonio Brasileiro (poesia.net n. 26), é professor de literatura na Universidade Estadual de Feira de Santana, BA.

Além de participar em diversas antologias, Pereyr publicou cinco livros de poesia — As roupas do nu (1981); Ocidentais (1987); O Súbito Cenário (1996); Concerto de Ilhas (1997); e Saguão de Mitos (1998) — e tem inédito o volume Nas Praias do Avesso.

Dono de um lirismo denso, Pereyr  busca uma poesia de essências. Vejam essa "Legião", um retrato do mundo composto apenas com a enumeração de tipos humanos. Ou então o encantamento dos versos de "Galope", uma viagem rítmica do pensamento rumo ao silêncio ou à saudade. Em "Lírico", o andamento é mais calmo, como as águas do lago onde o poeta se encontra com Narciso.

Depois de ler esses poemas, tenho certeza de que você também vai perguntar: por que, até agora, não conhecemos o trabalho desse poeta?

                      •o•                 


HERA
, 31 ANOS

Aproveito este boletim dedicado à poesia de Roberval Pereyr para fazer um importante registro, ao qual o poeta está associado.

Fundada em 1972 por Antonio Brasileiro e Roberval Pereyr, a revista Hera é talvez a publicação poética de maior longevidade já registrada no Brasil. Digo talvez para manter a necessária margem de prudência. No entanto, é quase certo que nenhum outro periódico do gênero tenha alcançado essa idade.

Balzaquiana, a Hera permanece ativa, publicando trabalhos do Grupo Hera, que se formou em Feira de Santana em torno da revista.

Uma publicação de poesia com 31 anos é um fenômeno que não se pode deixar de ressaltar. Muitas eras à Hera!

Um abraço,


Carlos Machado

 

Veja mais poemas de Roberval Pereyr no boletim poesia.net n. 308.


 

 

O pensamento a galope

Roberval Pereyr

 


LEGIÃO

Os viscerais.
Os aguados.
Os donos do império e da farsa.
Os de fácil declinação.
Os falsificadores da falácia.
Os clínicos, os cínicos, os simpaticíssimos.
Os atuais pretéritos atuais.
Os sacaneados plácidos.
Os bem-vendidos, os amalgamados,

os da lama.
Os enviados para destruir.
Os que se deitam para maquinar.
Os que colhem flores por equívoco.
Os desvairados.
Os canibalistas do absurdo.

E a certeza de tudo
piorar.
 

 

GALOPE

 

Meus pensamentos são meus camelos

Meus pensamentos são meus cavalos

 

(com uns cavalgo para o silêncio

com outros marcho para a saudade).

 

Meus pensamentos são meus cavalos

Meus pensamentos são meus camelos

 

(sou sertanejo, nasci nos matos,

ando a cavalo para mim mesmo).

 

Meus sentimentos são meus desejos

em que me vejo perdido, e calo.

 

Meus pensamentos são meus camelos

Meus pensamentos são meus cavalos

 



LÍRICO

 

A golpes lentos, divago:
antiga a paz que me guia.
À sombra o rosto e o lago

onde Narciso, o mirado,

me desvia.

 

De onde venho, me mato.

E onde me acham, há dor.

Alguém apaga meus passos

(um mago?) com uma flor.

 

E os golpes, cadenciados,

fundem o lago e o rosto

à voz de um outro, sem lábios.

 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003

Roberval Pereyr
•  "Legião"
   In Nas Praias do Avesso
   (livro inédito)
•  "Lírico"
    In Revista Hera n. 18
    Edições Cordel, Feira de Santana, 1993

•  "Galope"
    In Revista Hera n. 14
    Edições Cordel, Salvador, 1982