Número 36

São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003 

«Poesia é o que se perde na tradução.» (Robert Frost)
 


Henriqueta Lisboa


Caros,

Henriqueta Lisboa (1901-1985), mineira, é autora de uma das obras poéticas mais representativas do século 20. Poeta de produção regular, publicou quase 20 livros de poesia entre 1925 e 1977. Sua produção também inclui ensaios, conferências e traduções.

Menos conhecida que sua companheira de geração Cecília Meireles (1901-1964), Henriqueta desenvolveu uma poesia que tem pontos de contato com a de Cecília. Para este boletim selecionei três poemas da escritora mineira.

O primeiro, "Sofrimento", vem da obra Flor da Morte (1949). "O livro de Henriqueta Lisboa é uma persistente, ondulante e apaixonada meditação sobre a morte. Quase que o poderíamos chamar: tratado poético da morte", escreveu Drummond em 1952 sobre essa obra.
O outro poema, "Os Lírios", foi extraído do volume A Face Lívida (1945). Por fim, "Serena" vem de Velário (1936). Nesse poema leve e suave destacam-se claramente os tons simbolistas que a autora cultivou em suas primeiras obras.

Henriqueta merece referência, ainda, por um importante aspecto de pioneirismo: entre os autores modernos, ela foi um dos primeiros a escrever poesia para crianças no Brasil.

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado

 



 

Uma pedra de sal no oceano

Henriqueta Lisboa

 


SOFRIMENTO


No oceano integra-se (bem pouco)
uma pedra de sal.

Ficou o espírito, mais livre
que o corpo.

A música, muito além
do instrumento.

Da alavanca,
sua razão de ser: o impulso,

Ficou o selo, o remate
da obra.

A luz que sobrevive à estrela
e é sua coroa.

O maravilhoso. O imortal.

O que se perdeu foi pouco.

Mas era o que eu mais amava.



OS LÍRIOS

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila.


SERENA

Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003

Poemas extraídos de:
•  "Sofrimento", de Flor da Morte (1949)
•  "Os Lírios", de A Face Lívida (1945)
•  "Serena", de Azul Profundo (1950-1955)
In Obras Completas, vol. 1 - Poesia Geral (1929-1983) - Duas Cidades, São Paulo, 1a. ed., 1985