Ricardo Rizzo
Ricardo Rizzo, juiz-forano nascido em 1981, é o poeta mais
novo que já apareceu nas páginas deste boletim. Estudante de direito, ele
combina em seus versos um vigor criativo juvenil com reflexões e segurança
técnica de veterano.
Em seu livro de estréia, Cavalo
Marinho e Outros Poemas (2002), Rizzo destila metáforas impressionantes.
“Sabes que o coração escoa/ seu vinho quieto/ e que o real é um salto/ de lanças
no embate” (do poema "Morandi e o Tempo"). Ou, então, “Mas é óbvio que o amor/ a tudo
dissolve/ como quem devora um osso de búfalo” (de "Celebração do Poeta Final").
Fiel a uma certa tradição dos poetas mineiros — a de tentar
decifrar seu Estado natal —, Rizzo comparece: "Em Minas um desejo/ de eterno
assoreamento// vive nos peixes/ dilata as usinas// respira o negro veneno/
evocado e mestiço." ("Conhecimento de Minas")
Em seu exercício poético, Rizzo dialoga com clássicos, a exemplo de seus conterrâneos
Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, além de outros como Jorge de Lima.
Para este boletim, pincei o poema "Mencionar o Ferro", no qual se
identificam ecos de João Cabral de Melo Neto. Por trás do ferro utilitário, do
tenso combate com a palavra crua, o poeta sente a presença da "terrena
dor de gente".
Degustemos o poema e demos nossas boas-vindas ao jovem poeta.
Carlos Machado
|
A sintaxe do ferro
|
Ricardo Rizzo |
|
MENCIONAR O FERRO
Mencionar o ferro é expô-lo
à dura nudez de palavra
no registro encerrada, sílabas
articulando matéria, antimatéria.
Em que categoria confinar o ferro
todo o ferro que há no mundo,
insuspeito?
Se em uma só palavra, e curta,
traz a geografia de mundos, estrelas?
O ferro do despeito
vaza a sintaxe,
fere e desnorteia.
Não é o ferro palatável, o ferro
que a todos resume, paroxítono.
Dizer o ferro é lambê-lo,
comê-lo, fruta escura,
é atividade carnal, antes
tenso combate subterrâneo
que se trava, ou melhor, se turva
entre noite e sombra nos edifícios.
Mas já um sal do ferro convida
a dobrar o ferro utilitário
a romper o ferro posto
vingar-lhe o porte mortuário
mencionar o ferro é mudá-lo
em terrena dor de gente;
é fecundar-lhe o ventre
divergente e proletário.
|