Paulo Ferraz
Caros amigos,
Nascido em 1974, o mato-grossense Paulo Ferraz é poeta de um
Brasil de perfil urbano. Praticante de um lirismo enxuto, ele extrai muitos de
seus poemas de momentos triviais no dia-a-dia da metrópole — leia-se São Paulo,
onde vive desde 1995.
Seus versos tendem a fixar esses momentos como se as palavras fossem os traços
de um quadro impressionista. Veja-se, como exemplo, o poema "Motorista - Linha
478-P". Do alto de seu "trono de curvim", o altivo chofer corinthiano deflagra
um instantâneo na imaginação do leitor.
Em "Veja Esta Dama", o ambiente é ainda das artes visuais, mas ganha movimento à
medida que a madura porém formosa senhora caminha em direção ao embevecido (e
jovem) observador. O adjetivo formal "venusta" — que vem de Vênus, a deusa da
beleza — contrasta com a linguagem solta e coloquial, do resto do poema. Talvez o
poeta queira destacar o imenso fascínio da mulher que passa.
Vendo de outro ângulo, "venusta" também pode reforçar a idéia de que a dama é
mais velha que o admirador — e, portanto, mais distante.
No primeiro poema ao lado, "A Partir da Topografia", o poeta assume os
instrumentos do cartógrafo para catalogar sinais particulares da amada ausente.
Uma forma especial de mapear a saudade: com teodolito, régua e compasso.
Advogado, Paulo Ferraz é também editor de Sebastião, revista de poesia, e
publicou o volume Constatação do Óbvio (Selo Sebastião Grifo, 1999).
Um abraço,
Carlos Machado
•o•
Veja mais poemas de Paulo Ferraz no
boletim n. 227.
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Instantâneos da metrópole
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Paulo Ferraz |
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Hope Gangloff, pintora americana, Catherine
A PARTIR DA TOPOGRAFIA
Aprende-se muito
com a ausência. Cito a arte
da cartografia, do
paciente desenho
feito olhos a dentro
sem régua ou compasso,
com o qual catalogo, a
posteriori, pintas,
sinais de nascença, e as
(não sem ser expert no
teodolito) marcas
de uma catapora.
Hope Gangloff, Droga!
MOTORISTA - LINHA 478-P
Embora não tenha porte —
nem precisaria, pois quem o
tem? — de autoridade, senta
majestoso no seu trono
de curvim, forrado às vezes
com um capacho de retalhos,
sempre segurando o cetro
decorado com o escudeto
do Corinthians. A senhora
palmeirense entra de joelhos.
No mar, capitão com Deus se
parelha, no ônibus, ele.
Hope Gangloff, Teddy Shumaker
VEJA ESTA DAMA
Caio cedo da cama
todos os dias (tenho
de cumprir a pena
dos três paus a troco
de sal) e uma vez que a
janela está aberta,
aproveito meus cinco
minutos que sobram,
fumando. Sem falta,
no último trago, ela
aparece na esquina
com a compra da feira
feita pra si. Lenta,
posso espiar com calma
sua venustidade: o
coque como sempre
espontâneo, sem espelho; a
clavícula e os quadris que
salientes adornam
sua silhueta sob o
vestido; e um vestígio
de pele que surge
de um passo a outro. Quando
mais perto, nos olhos
baços descubro onde
guarda sua beleza
de agora. Ah, se eu fosse
trinta anos mais velho.
Do peitoril lanço a
ponta na calçada
que queima até a cinza.
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