Fabio Weintraub
Caros amigos,
Um dos temas caros às gerações mais recentes de poetas é o do
cotidiano nas grandes cidades. Naturalmente, há milhares de maneiras com as
quais esse assunto pode ser tratado. O poeta paulistano Fabio Weintraub escolheu
uma forma — talvez uma das mais duras. Em seu livro Novo Endereço, ele
traça retratos sem retoque do dia-a-dia na São Paulo dos sem-charme e sem-voz.
Resultam poemas amargos, versos que não abrem nenhuma possibilidade de fuga. "O
tom é cinza, baixo, cabisbaixo; os fatos por trás dos poemas — e ao leitor
compete o devaneio de achá-los verdadeiros ou não — são tristes", escreve o
poeta Tarso de Melo a respeito de
Novo Endereço.
Ao lado, dois momentos do livro. No primeiro aparece um Prometeu alcoólatra com
a águia da cirrose a devorar-lhe o fígado. No outro, a mulher de uma vítima
fatal da violência urbana ainda tenta separar o joio do trigo como um recurso
final de dignidade.
Nascido em 1967, Weintraub, além de poeta, é editor, ensaísta
e psicólogo. Publicou Toda Mudez Será Conquistada (1992);
Sistema de Erros (1996); e o já citado Novo Endereço (2002). Este
último ganhou os prêmios Cidade de Juiz de Fora - Murilo Mendes e Casa de las
Américas 2002.
Um abraço,
Carlos Machado
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Retratos sem retoque
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Fabio Weintraub |
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PROMETEU
o fogo roubado
não é senão
a branquinha humilde:
brasa solitária
entre os carvões da vida
a ira divina
é pouco mais
que a recusa do garçom
em servir
a enésima dose
fiado
o castigo
este sim
tem a grandeza do mito:
a cirrose vulturina
com a família nas garras
da Previdência
BARRABÁS
Vocês não podem velar
o corpo do meu marido
ao lado desse aí
que a polícia acertou
Vocês me desculpem
imagino o sofrimento
perder um filho assim moço
Meu Cícero
morreu trabalhando
Um tiro pelas costas
às duas da manhã
Ao lado desse aí
o corpo dele não vai gelar
Não adianta insistir
ao lado de bandido
meu marido não fica
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