Número 59

São Paulo, quarta-feira, 10 de março de 2004 

«Sonhar é acordar-se para dentro.» (Mário Quintana)
 


Federico García Lorca


Caros amigos,

O andaluz Federico García Lorca (1898-1936) é a maior força poética da Espanha no século XX. Ele escreveu o texto "A Captura e a Morte" ("La Cogida y la Muerte"), transcrito ao lado, que constitui a primeira parte do poema "Pranto por Ignacio Sánchez Mejías", de 1935. Trata-se de uma homenagem a Mejías, um dos mais famosos toureiros espanhóis, morto em 1934 em decorrência de uma chifrada de touro. Sanchez Mejías, sevilhano, era também poeta, romancista e ator.

É impressionante o efeito de suspense e tragédia que Lorca consegue produzir com os versos iniciais do poema: "Às cinco horas da tarde/ Eram cinco da tarde em ponto." Melhor, ainda, se lido no original. Depois, o primeiro verso assume o papel de refrão que perpassa todo o poema, num tom solene de ladainha.

Poeta lírico e dramaturgo, García Lorca soube dar voz universal à sua região, a Andaluzia, terra de profundas tradições mouras e gitanas. Não por acaso, pode-se encontrar, traduzido em qualquer idioma de cultura, os versos de seu Romancero Gitano, escrito entre 1924 e 1927.

O lirismo envolvente do Romancero exerce amplas influências, inclusive nas baladas de nosso Vinícius de Moraes. Compare-se, por exemplo, o poema "La Casada Infiel", de García Lorca, com "Rosário", do poeta carioca.

Assassinado em 1936 pelas milícias fascistas de Francisco Franco, García Lorca, além de poeta-maior, tornou-se mártir da liberdade na Espanha. Franco passou, o franquismo passou.

García Lorca e sua poesia estão vivos. Viva García Lorca!

Um abraço,

Carlos Machado

 


 

Às cinco horas da tarde

Federico García Lorca

 


A CAPTURA E A MORTE

                               Tradução: Oscar Mendes

Às cinco horas da tarde.

Eram cinco da tarde em ponto.

Um menino trouxe o lençol branco

às cinco horas da tarde.

Um cesto de cal já prevenida

às cinco horas da tarde.

O mais era morte e apenas morte

às cinco horas da tarde.

O vento arrebatou os algodões

às cinco horas da tarde.

E o óxido semeou cristal e níquel

às cinco horas da tarde.

Já pelejam a pomba e o leopardo

às cinco horas da tarde.

E uma coxa por um chifre destruída

às cinco horas da tarde.

Os sons já começaram do bordão

às cinco horas da tarde.

As campanas de arsênico e a fumaça

às cinco horas da tarde.

Pelas esquinas grupos de silêncio

às cinco horas da tarde.

E o touro todo coração ao alto

às cinco horas da tarde.

Quando o suor de neve foi chegando

às cinco horas da tarde,

quando de iodo se cobriu a praça

às cinco horas da tarde,

a morte botou ovos na ferida

às cinco horas da tarde.

Às cinco horas da tarde.

Às cinco em ponto da tarde.

 

Um ataúde com rodas é a cama

às cinco horas da tarde.

Ossos e flautas soam-lhe ao ouvido

às cinco horas da tarde.

Por sua frente o touro já mugia

às cinco horas da tarde.

O quarto se irisava de agonia

às cinco horas da tarde.

A gangrena de longe já se acerca

às cinco horas da tarde.

Trompa de lis pelas virilhas verdes

às cinco horas da tarde.

As feridas queimavam como sóis

às cinco horas da tarde,

e as pessoas quebravam as janelas

às cinco horas da tarde.

Ai que terríveis cinco horas da tarde!

Eram as cinco em todos os relógios!

Eram cinco horas da tarde em sombra!

 

LA COGIDA Y LA MUERTE

A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde.

El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones del bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
¡Y el toro, solo corazón arriba!
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde,
cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en punto de la tarde.

Un ataúd con ruedas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay qué terribles cinco de la tarde!
¡Eran las cinco en todos los relojes!
¡Eran las cinco en sombra de la tarde!
 

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Carlos Machado, 2004

Federico García Lorca
•   "A Captura e a Morte"
    ("La Cogida y la Muerte")
   
In Romanceiro Gitano e Outros Poemas   
    Tradução de Oscar Mendes
    Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1985