Número 60

São Paulo, quarta-feira, 17 de março de 2004 

«Nunca fui claro, mesmo ao meio-dia.» (Antonio Brasileiro)
 


Salgado Maranhão


Caros amigos,

Salgado Maranhão (1953-), nome poético de José Salgado Santos, é maranhense. Mora no Rio de Janeiro desde 1973. Jornalista, decidiu abraçar uma atividade profissional que considera mais coerente com o exercício da poesia: é terapeuta corporal e já foi professor de tai chi chuan e mestre em shiatsu.

No final dos anos 70, Salgado Maranhão participou da organização de coletâneas com vários poetas. Começou a despontar com o lançamento de Punhos da Serpente (1989). Depois desse livro vieram: Palávora (1995 ); O Beijo da Fera (1996). Em 1998, em Mural de Ventos, o poeta reuniu textos novos e poemas dos três livros anteriores. Essa coletânea lhe valeu o Prêmio Jabuti. O trabalho mais recente do escritor é Sol Sangüíneo (Imago, 2002).

Os três poemas escolhidos para este boletim foram todos extraídos de Mural de Ventos. Com versos enxutos, Salgado Maranhão se envolve "no afã/ de dar/ ao verso/ víscera". E assim arrasta "o canto à borda dos incêndios".

Salgado Maranhão é também letrista de canção popular. Tem parcerias com músicos como Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Ivan Lins.


Um abraço,


Carlos Machado

 

 

À borda dos incêndios

Salgado Maranhão

 


KUARUP


de seis milhões

em mil e quinhentos

restou apenas

uma legião

de vultos

soletrando

uma algazarra

zorra,

um kuarup de calça jeans.

 

os outros foram mortos

até os que estão vivos

até os que não nasceram.

 

                         De Palávora, 1995
 

 

PÓ & CIA
 

de vez em quando

a poesia

         se insinua

para que eu a possua.

 

depois

     arredia

             desaparece

como se habitasse

a outra

           face

da lua.

 

                         De Palávora, 1995



O VERBO

 

Passos da manhã

trazem-me o dia

a desovar enganos.

 

(O amor me busca

como um predador.)

 

No entanto

o verbo freme. Ateia

fogo aos abismos

reincide ao pó

e ao efêmero.

 

No entanto arrasto

o canto à borda

dos incêndios.

 

Ó caminhos que afundam

minhas rasuras!

 

O que é do tempo

é da terra

o que é da terra

é do ter.

 

Ó escudos de selva

e trilho!

 

Do que me atrevo

sobrevivo.
 

                         De O Beijo da Fera, 1996


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Carlos Machado, 2004

Salgado Maranhão
•  In Mural de Ventos
   
    José Olympio/Univ. de Mogi das Cruzes,
    Rio de Janeiro/Mogi das Cruzes-SP, 1999