Rui Ribeiro Couto
Caros,
"Minha poesia é toda mansa./ Não gesticulo, não me exalto...". Esses versos, que
abrem o poema "Surdina", definem bem o trabalho do poeta santista Rui Ribeiro
Couto (1898-1963). Em seus versos, ele sempre cultiva a discrição e os meios
tons. Os próprios temas são simples e a linguagem nunca sobe para a eloqüência e
as metáforas eletrizantes. "Ribeiro Couto pertencia à linhagem dos poetas
intimistas", escreve Manuel Bandeira em sua Apresentação da Poesia Brasileira.
Em sua poesia, Ribeiro Couto valorizava muito a observação do cotidiano e a
poesia "suja da experiência vivida". Ele chegou a escrever um poema, "Discurso
afetuoso", em que critica os "poetas de gabinete".
Como vários outros poetas de sua geração, o autor estreou como simbolista, em
1921. Durante os anos 20, manteve correspondência com três expoentes do
modernismo — Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade.
Entre as obras poéticas de Ribeiro Couto (ele também escreveu prosa),
destacam-se: Poemetos de Ternura e Melancolia (1924), Um Homem na
Multidão (1926), Província (1933), Cancioneiro do Ausente
(1943), Dia Longo (1944) e Mar e Rio (1952).
Diplomata de carreira, Ribeiro Couto foi embaixador na Iugoslávia e encarregado
de negócios em Portugal. Que eu saiba, não existe no mercado uma poesia completa
de Ribeiro Couto. Em 2002, a Editora Global lançou dele uma antologia da série
Os Melhores Poemas, organizada e prefaciada pelo romancista João Almino.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Versos em surdina
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Ribeiro Couto |
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O BANHO
Junto à ponte do ribeirão
Meninos brincam nus dentro da água faiscante.
O sol brilha nos corpos molhados,
Cobertos de escamas líquidas.
Da igreja velha, no alto do morro,
O sino manda lentamente um dobre fúnebre.
Na esquina da cadeia desemboca o enterro.
O caixão negro, listado de amarelo,
Pende dos braços de quatro homens de preto.
Vêm a passo cadenciado os amigos, seguindo,
O chapéu na mão, a cabeça baixa.
As botas rústicas, no completo silêncio,
Fazem na areia do chão o áspero rumor de vidro
[ moído.
O sino dobra vagaroso: dobre triste
Na tarde clara que dá pena de morrer.
Cheios do inexplicável respeito pela morte
Os meninos correram para baixo da ponte,
Como se a sua nudez pura pudesse ofender a
[ morte.
Vai agora subindo o morro do cemitério
O caixão negro listado de ouro.
Já não se vê mais, desapareceu atrás do mato.
E na água fugitiva do ribeirão
Os corpos nus cambalhoteiam de novo
Com o sentimento espontâneo e invencível da
[ vida.
[De Dia Longo, 1944]
ELEGIA
Que quer o vento?
A cada instante
Este lamento
Passa na porta
Dizendo: abre...
Vento que assusta
Nas horas frias
Na noite feia,
Vindo de longe,
Das ermas praias.
Andam de ronda
Nesse violento
Longo queixume,
As invisíveis
Bocas dos mortos.
Também um dia,
Estando eu morto,
Virei queixar-me
Na tua porta
Virei no vento
Mas não de inverno,
Nas horas frias
Das noites feias.
Virei no vento
Da primavera.
Em tua boca
Serei carícia,
Cheiro de flores
Que estão lá fora
Na noite quente.
Virei no vento...
Direi: acorda...
[De Cancioneiro do Ausente, 1943]
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