
Dalila Teles Veras
Caros amigos,
Escrever sobre acontecimentos dolorosos — por exemplo, a perda de entes queridos
— é tarefa das mais cáusticas para o poeta. A dor deveras sentida constitui um
estorvo também para o poema. Primeiro, porque pode toldar o rigor autocrítico do
poeta. Depois, pela dificuldade do próprio tema. É preciso ter um controle exato
das palavras e emoções para sair bem dessa experiência existencial e poética.
O volume Vestígios (2003), da poeta Dalila Telas Veras, é um exemplo de
obra bem-sucedida que resulta de um momento assim de desassossego: no caso, o
desaparecimento da mãe da escritora, após uma desagradável convivência com
médicos, hospitais e tecnologias curativas. É impressionante como Dalila
conseguiu transfigurar esses momentos em boa poesia.
Os poemas apresentados aqui são uma amostra desse trabalho. Portuguesa da Ilha
da Madeira, Dalila vive no Brasil desde a infância. Antes de Vestígios,
Dalila Teles Veras publicou seis livros de poesia, que estão reunidos em À
Janela dos Dias – Poesia Quase Toda (Alpharrabio,
2002). Animadora cultural, ex-diretora durante longo período da União Brasileira
de Escritores, ela desenvolve intensa atividade, publicando livros e promovendo
oficinas, encontros, debates.
Desde 1992 Dalila criou e dirige um ambiente cultural próprio, a Alpharrabio,
que reúne livraria, editora e espaço para eventos, com sede em Santo
André, na área metropolitana de São Paulo.
Para conhecer melhor o trabalho da poeta, visite o seu site no seguinte
endereço:
www.dalila.telesveras.nom.br
Um abraço,
Carlos Machado
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À beira da vida
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Dalila Teles Veras |
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TERAPIA INTENSIVA
A ceifeira ronda
à volta das máquinas
ao redor dos tubos
no ar infectado de dor
—
sombra indesejável
A ciência brinca
experimenta, põe e tira
mórbido esconde-esconde
fingida presença de Deus
Um corpo respira
(a máquina opera o milagre)
um corpo não mais senhor
do gesto, do gosto, do querer
corpo, cobaia, objeto
à mercê do progresso
A ceifeira espera
e sabe da hora
A ciência não
RITO DE PASSAGEM
Que sabemos nós
seres chorosos
à beira da morte
do outro?
Que sabemos nós
seres medrosos
à beira da vida
à beira de nós mesmos?
Que sabemos nós
da barca à espera
da passagem
do mistério?
—
Nada
Por isso tememos
DEVER CUMPRIDO
Brinca de eternidade
a jovem médica
Bagagem abarrotada
de ciência e tecnologia
Eletrodos ligados
incisões perfeitas
:
o dever manda
as mãos, firmes, obedecem
(ignora o calafrio
da morte pressentida)
Eis o prodígio
:
a vida devolvida
mecânica (e eterna?)
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