Mário Chamie
Caros amigos,
Depois da poesia concreta, a vanguarda poética dos anos 50 e 60 que mais deu
o que falar foi a poesia práxis. Como o nome sugere, a idéia central era construir
poemas com base na prática da vida. Segundo Mário Chamie (1933-), principal
poeta e teórico do grupo, os poemas práxis resultavam de um levantamento de
palavras dentro do campo semântico do tema escolhido para o poema ou livro.
Exemplos disso são dados pelos três primeiros poemas de Chamie transcritos ao lado. "Plantio", vem do volume Lavra Lavra (1962), que se propõe a
representar o universo do trabalho rural. Assim, lá estão termos como enxada,
braço, cova, grão. Os outros dois, "Agiotagem" e "Siderurgia S.O.S.", pertencem
ao livro Indústria (1967). Neles, o esquema é o mesmo, agora aplicado
ao mundo industrial e financeiro.
Arqui-rivais dos concretos, os poetas práxis partiam da idéia de que, no final
dos anos 50, a poesia deflagrada pelos modernismo de 22 atingira um estágio de
esgotamento. Em especial, criticavam os poetas da chamada geração de 45, pelo
seu beletrismo neoparnasiano, sua repetição de recursos já consagrados e seu
retorno às formas fixas, como o soneto.
O último poema ao lado, "O Tolo e o Sábio", é do Chamie atual, de seu livro,
Caravana Contrária, de 1998.
Um abraço,
Carlos Machado
Nota: O poeta Mário Chamie faleceu em 03/07/2011, em São
Paulo.
•
•
•
AZOUGUE, 10 ANOS
A revista Azougue, de poesia e cultura, sediada no Rio de Janeiro e
liderada pelo poeta Sérgio Cohn, completa agora 10 anos. Diante da quase
inexistência de espaços e incentivos para a poesia, é um fato auspicioso
comemorar os dez anos de uma publicação do gênero.
Para marcar o decênio, a revista lança em São Paulo, nesta sexta-feira, 2 de
julho, o livro Azougue: 10 Anos, com a apresentação de músicos e leituras
dos poetas Roberto Piva, Rodrigo de Haro, Cláudio Willer e Antonio Fernando de
Franceschi.
O local é a Choperia do SESC Pompéia, na Lapa. Se você está em São Paulo,
prestigie o evento.
Longa vida à Azougue!
•
•
•
|
A poesia da práxis
|
Mário Chamie |
|
PLANTIO
Cava,
então descansa.
Enxada; fio de corte corre o braço
de cima
e marca: mês, mês de sonda.
Cova.
Joga,
então não pensa.
Semente; grão de poda larga a palma
de lado
e seca; rês, rês de malha.
Cava.
Calca
e não relembra.
Demência; mão de louco planta o vau
de perto
e talha: três, três de paus.
Cova.
Molha
e não dispensa.
Adubo; pó de esterco mancha o rego
de longo
e forma: nó, nó de resmo.
Joga.
Troca,
então condena.
Contrato; quê de paga perde o ganho
de hora
e troça: mais, mais de ano.
Calca.
Cova:
e não se espanta.
Plantio; fé e safra sofre o homem
de morte
e morre: rês, rés de fome
cava.
AGIOTAGEM
um
dois
três
o juro:o prazo
o pôr / o cento / o mês / o ágio
p o r c e n t a g i o.
dez
cem
mil
o lucro:o dízimo
o ágio / a mora / a monta em péssimo
e m p r é s t i m o.
muito
nada
tudo
a quebra:a sobra
a monta / o pé / o cento / a quota
h a j a n o t a
agiota.
SIDERURGIA S.O.S.
Se der o ouro sidéreo opus horáriO
Sem sol o sal do
erário saláriO
Ser der orgia semistério o empresáriO
Siderurgia do opus o só do
eráriO
Se der a via do pus opus
erradO
Se der o certo no errado o empregadO
Se der errado
no certo o emprecáriO
O TOLO E O SÁBIO
O sábio que há em você
não sabe o que sabe
o tolo que não se vê.
Sabe que não se vê
o tolo que não sabe
o que há de sábio em você.
Mas do tolo que há em você
não sabe o sábio que você vê.
|