Número 75

São Paulo, quarta-feira, 30 de junho de 2004 

«A vida só é possível reinventada.» (Cecília Meireles)
 


Mário Chamie


Caros amigos,


Depois da poesia concreta, a  vanguarda poética dos anos 50 e 60 que mais deu o que falar foi a poesia práxis. Como o nome sugere, a idéia central era construir poemas com base na prática da vida. Segundo Mário Chamie (1933-), principal poeta e teórico do grupo, os poemas práxis resultavam de um levantamento de palavras dentro do campo semântico do tema escolhido para o poema ou livro.

Exemplos disso são dados pelos três primeiros poemas de Chamie transcritos ao lado. "Plantio", vem do volume Lavra Lavra (1962), que se propõe a representar o universo do trabalho rural. Assim, lá estão termos como enxada, braço, cova, grão. Os outros dois, "Agiotagem" e "Siderurgia S.O.S.", pertencem ao livro Indústria (1967). Neles, o esquema é o mesmo, agora aplicado ao mundo industrial e financeiro.

Arqui-rivais dos concretos, os poetas práxis partiam da idéia de que, no final dos anos 50, a poesia deflagrada pelos modernismo de 22 atingira um estágio de esgotamento. Em especial, criticavam os poetas da chamada geração de 45, pelo seu beletrismo neoparnasiano, sua repetição de recursos já consagrados e seu retorno às formas fixas, como o soneto.

O último poema ao lado, "O Tolo e o Sábio", é do Chamie atual, de seu livro, Caravana Contrária, de 1998.

Um abraço,

Carlos Machado

 

Nota: O poeta Mário Chamie faleceu em 03/07/2011, em São Paulo.
 

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AZOUGUE, 10 ANOS

A revista Azougue, de poesia e cultura, sediada no Rio de Janeiro e liderada pelo poeta Sérgio Cohn,  completa agora 10 anos. Diante da quase inexistência de espaços e incentivos para a poesia, é um fato auspicioso comemorar os dez anos de uma publicação do gênero.

Para marcar o decênio, a revista lança em São Paulo, nesta sexta-feira, 2 de julho, o livro Azougue: 10 Anos, com a apresentação de músicos e leituras dos poetas Roberto Piva, Rodrigo de Haro, Cláudio Willer e Antonio Fernando de Franceschi.

O local é a Choperia do SESC Pompéia, na Lapa. Se você está em São Paulo, prestigie o evento.

Longa vida à Azougue!

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A poesia da práxis

Mário Chamie

 


PLANTIO

Cava,
então descansa.
Enxada; fio de corte corre o braço
de cima
e marca: mês, mês de sonda.
Cova.

Joga,
então não pensa.
Semente; grão de poda larga a palma
de lado
e seca; rês, rês de malha.
Cava.

Calca
e não relembra.
Demência; mão de louco planta o vau
de perto
e talha: três, três de paus.
Cova.

Molha
e não dispensa.
Adubo; pó de esterco mancha o rego
de longo
e forma: nó, nó de resmo.
Joga.

Troca,
então condena.
Contrato; quê de paga perde o ganho
de hora
e troça: mais, mais de ano.
Calca.

Cova:
e não se espanta.
Plantio; fé e safra sofre o homem
de morte
e morre: rês, rés de fome
cava.



AGIOTAGEM

um
dois
três
o juro:o prazo
o pôr / o cento / o mês / o ágio

p o r c e n t a g i o.

dez
cem
mil
o lucro:o dízimo
o ágio / a mora / a monta em péssimo

e m p r é s t i m o.

muito
nada
tudo
a quebra:a sobra
a monta / o pé / o cento / a quota

h a j a   n o t a
agiota.

 

SIDERURGIA S.O.S.


Se  der  o  ouro  sidéreo  opus  horáriO
Sem   sol   o   sal   do   erário   saláriO

Ser der orgia  semistério o empresáriO
Siderurgia   do   opus  o  só  do  eráriO

Se  der  a  via  do  pus   opus    erradO
Se der o certo no errado o  empregadO

Se  der  errado  no certo o emprecáriO

 

O TOLO E O SÁBIO

O sábio que há em você
não sabe o que sabe
o tolo que não se vê.

Sabe que não se vê
o tolo que não sabe
o que há de sábio em você.

Mas do tolo que há em você
não sabe o sábio que você vê.
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2004


Mário Chamie

"Plantio"
in Instauração Praxis II
originalmente in Lavra Lavra (1962)
Edições Quíron, São Paulo, 1974
"Agiotagem"; "Siderurgia S.O.S."
in Indústria
Mirante das Artes, São Paulo, 1967
"O Tolo e o Sábio"
In Caravana Contrária
Geração Editorial, São Paulo, 1998