Sergio Cohn
Caros amigos,
O paulistano
Sergio Cohn sabe que o poeta, em sua aventura criativa, está sempre se
arriscando em país estrangeiro. Por isso se propõe a visitar o território da
poesia "pelo puro prazer da paisagem". Sabe também que lá, como estrangeiro, não
lhe é permitido menos que o esplendor.
Essa parece ser a profissão de fé desse jovem poeta, sugerida no poema
"Discurso". Nascido em 1974, Cohn desde cedo se envolveu com a
literatura. Com amigos, criou uma revista de poesia, a Azougue, que está
comemorando uma década este ano.
Além de revista, Azougue é também o nome da editora independente criada por
Sergio. Sediada no Rio de Janeiro, onde mora o poeta, a editora tem livros sobre
cinema, teatro e, principalmente, poesia.
Sergio Cohn tem dois livros publicados: Lábio dos Afogados (Nankin, São Paulo,
1999) e
Horizonte de Eventos (Azougue, Rio de Janeiro, 2002). Os três poemas ao lado foram
extraídos desse último livro.
Um abração, e até a próxima.
Carlos Machado
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• OUTRAS
PALAVRAS
Sempre que possível, tenho incluído aqui, no lado esquerdo da página,
observações não diretamente associadas ao poeta em foco. Só que às vezes quero
transcrever um poema, citar um texto mais longo, e esta faixa é muito estreita.
Criei, então, o espaço Outras Palavras, em outro lugar — no site. Darei um toque
aqui sempre que pintar algo novo lá. Como primeira inserção nesse espaço, fiz o registro
do lançamento, este mês, do livro Amálgama, poesia reunida do baiano
Roberval Pereyr.
Para visitar o Outras Palavras, clique aqui. |
Por trás da cortina
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Sergio Cohn |
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DISCURSO
tecer o fio de Ariadne
sem ao menos a intenção
de um dia retornar
tecer pelo exercício
narcísico
de se conhecer e doar
ir, perscrutar
para além do verde
opaco da próxima curva
sabendo cada passo
apenas eco
do anterior
ir
pelo puro prazer
da paisagem
ao estrangeiro
só
é permitido
o esplendor
FLOR BRANCA
No cimento cru da varanda
A flor branca
Que ia ofertar a Iemanjá.
Agora não mais flor
Nem oferenda,
Simples objeto
entregue ao sol.
O talo descuidadamente cortado,
As pétalas amarelecidas.
Penso na inutilidade daquele corpo,
Na fragilidade do que floresce.
MNEMO
Há um resíduo de futuro
no vento, fotograma ante-
cipado, montagem de fragmentos
induzindo à cena. Como
aquela árvore se curvando com-
placente aos invisíveis pesos,
como o mormaço
predizendo chuva. Repito,
há um canto anterior
a qualquer canto, uma réstia,
um eco primeiro, como um som
que ressoa por dentro de cada
palavra, como todo gesto se
desenha e apaga, então
novamente. Há o revés,
o diáfano, o termo, beleza
posta e perdida, o desen-
cadeamento, assim
como a sede do vapor
por uma forma, assim
como tudo retorna
à imaginação
por trás da cortina
da memória.
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