Alexei Bueno
Caros amigos,
Embora jovem e mais novo que todas as vanguardas, o carioca Alexei Bueno (1963-)
decidiu construir uma obra de feição clássica. Se você compulsar a Poesia
Reunida de Bueno (Nova Fronteira, 2003), vai constatar que há nela alguns versos livres,
mas o que dá o tom de toda a obra são sonetos e outros poemas
de forma fixa, bem rimados e metrificados.
Além disso, o poeta faz freqüentes referências a temas ou personagens da
antiguidade grega. Um de seus livros chama-se Poemas Gregos.
Outro tem por título Lucernário. Desse modo, seu trabalho adquire
características únicas, diferenciadas de todas as vertentes da poesia brasileira
desde o modernismo.
Avesso declarado ao que chama de "neofilia das vanguardas", Bueno é
celebrado por parte da crítica como um poeta que pratica um tipo de modernidade
"além das delimitações históricas" (Miguel Sanches Neto).
Os poemas ao lado são parte de uma seleção que me foi gentilmente sugerida pelo
próprio poeta. Eles representam uma boa amostra do trabalho que faz de Alexei
Bueno um clássico em tempos pós-modernos.
Carlos Machado
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Um clássico pós-moderno
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Alexei Bueno |
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HISTÓRIA
Não é minha esta casa, aí entrarei no entanto.
Quebrarei o portão, marcharei entre as flores,
Encherei meu pulmão com os estranhos odores
Do jardim adubado a sêmen, sangue e pranto.
Porei a porta abaixo, enfrentarei o espanto
Dos vultos me fitando; e apesar dos bolores
Envergarei sem medo os trajes de idas cores,
Nas suas mãos beberei, entoarei seu canto!
Com os corpos rolarei de milhões de mulheres
Sem corpo. Ei-los que já me saúdam e me
[ aclamam,
Meus perdidos avós, desamparados seres.
Estendem-me suas mãos como a um filho que os
[ salva.
Deles vim, mas é a mim que eles agora clamam
A vida, como a um pai, um sol sonhando na alva.
27/05/1992
De Lucernário (1993)
HELENA
No cômodo onde Menelau vivera
Bateram. Nada. Helena estava morta.
A última aia a entrar fechou a porta,
Levavam linho, ungüento, âmbar e cera.
Noventa e sete anos. Suas pernas
Eram dois secos galhos recurvados.
Seus seios até o umbigo desdobrados
Cobriam-lhe três hérnias bem externas.
Na boca sem um dente os lábios frouxos
Murchavam, ralo pêlo lhe cobria
O sexo que de perto parecia
Um pergaminho antigo de tons roxos.
Maquiaram-lhe as pálpebras vincadas,
Compuseram seus ossos quebradiços,
Deram-lhe à boca uns rubores postiços,
Envolveram-na em faixas perfumadas.
Então chamas onívoras tragaram
A carne que cindiu tantas vontades.
Quando sua sombra idosa entrou no Hades
As sombras dos heróis todas choraram.
De Lucernário (1993)
PRODÍGIO
Oh flor, oh muro,
Vós ambos sois.
Ser, este é, pois,
O liame obscuro
Que há em vós. O puro
Elo. Depois,
Se se erguem sóis,
Se se alça o escuro,
Que importa? Estais,
Seiva, argamassa,
Aqui. Jamais
Sereis mais que isto
Que é, que não passa.
Oculto e visto.
De Em Sonho (1999)
VIDÊNCIA
Se os nossos olhos te enxergassem, rosa,
E não só: “É uma rosa” nos dissessem
Na vulgar gradação que nunca esquecem,
Que epifania na manhã tediosa!
Se eles vissem, ao vê-la, cada coisa
E não seu nome, se afinal pudessem
Fugir da furna abstrata onde destecem
A vida, um morto partiria a lousa
Maciça de aqui estar. Flor, nuvem, muro,
Árvore, que é uma só e não tal nome,
Se tudo entrasse o corredor escuro
Que há em nós, algo de exato se ergueria,
Algo que pára o tempo ou que o consome,
Que alveja a noite e entenebrece o dia.
De Em Sonho (1999)
PERGUNTA
Será realmente a face do Universo
A face da Medusa,
Esta geral destruição confusa,
Este criar perverso,
Ou será a máscara, álgida e estrelada,
Onde os cometas passam,
Turva de treva, rútila de nada,
E onde olhos se espedaçam?
De Lucernário (1993)
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