Izacyl Guimarães Ferreira
Caros amigos,
Dono de vasta e elogiada obra, o carioca Izacyl Guimarães Ferreira (1930-) é o
que se
pode chamar de cavaleiro andante da poesia. Além de escrever seus próprios
versos, ele traduz, comenta e divulga trabalhos de outros poetas. Estreante em
1950 com o livro Os Endereços, ele vem mantendo produção regular ao longo
de mais de cinco décadas.
Em 1980, reuniu no volume Os Fatos Fictícios toda a obra anterior e
alguns títulos
novos. De lá para cá, publicou quase uma dezena de outros livros, entre os quais
Memória da Guerra, surgido em 1991 e ampliado em 2002.
Para esta edição do poesia.net, escolhi somente poemas desse livro de
Izacyl Guimarães
Ferreira. Eu já havia escolhido uma série de poemas extraídos de outros livros.
Mas, ao descobrir esse, achei-o terrivelmente expressivo e atual. Então, resolvi
concentrar nele este boletim.
Escrito como um projeto poético, Memória da Guerra reflete sobre a
insanidade dos conflitos armados — os atuais e os de sempre. A parte inicial do
livro foi escrita sob o impacto da primeira Guerra do Golfo, aquela que vendeu a
idéia dos "ataques cirúrgicos" e transformou os confrontos militares em
espetáculos de TV. Não por acaso, um dos poemas do volume se abre com os
seguintes versos:
Caros telespectadores,
a guerra vai começar.
Ao compor esse volume de guerra, o poeta lançou mão de um variado arsenal de
recursos criativos para tratar de tópicos que vão desde os artefatos mortíferos
até o impacto das notícias sobre as pessoas; do medo do combatente na trincheira
até as fileiras de placas com nomes e datas de soldados mortos em combate.
Como divulgador, Izacyl Guimarães escreve com freqüência artigos para
publicações de papel ou da web.
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MEMÓRIA DA GUERRA
Deixei para o fim o melhor da festa: como um presente do poeta Izacyl Guimarães
Ferreira aos leitores do poesia.net, você pode ler na web o livro
Memória da Guerra, completo, em formato PDF. Para isso, clique no nome
do livro, acima. A leitura de arquivos PDF, no entanto, só é possível com o
programa
Adobe Reader (que é gratuito), ou outro
compatível. Clique no nome do produto para baixá-lo.
Um abraço,
Carlos Machado
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MAIS IZACYL FERREIRA
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Memória da guerra
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Izacyl Guimarães Ferreira |
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GUERREIROS
não vês as mesmas coisas
como eu as vejo
não tens as mesmas crenças
as mesmas lendas
as mesmas leis
não és o mesmo que eu
é outra a roupa que me veste
é outra a cor de minha pele
eu falo eu canto eu rezo
em outra língua
em outra língua
eu amo e choro e calo
a outro deus
eu devo a minha vida
por esse deus
te levo a morte
CAMPO DE BATALHA
onde a trilha da patrulha
onde ela pára
onde a fagulha na palha
onde ela estala
onde rilha a matilha da metralha
onde a ira de abelha da metralha
onde ela atira
onde brilha a centelha da fornalha
onde a pira vermelha da fornalha
onde ela fira
onde há limalha
onde se engelha
onde se empilha
o restolho
o entulho
OPINIÃO PÚBLICA
25% querem
25% não querem
25% não sabem
25% não querem saber
33,33% têm medo
33,33% não têm medo
33,33% emudeceram
36,4% acreditam em parte
33,7% não acreditam em nada
29,4% querem acreditar em algo
23,2% são absolutamente céticos
28,6% são absolutamente crédulos
39,5% dão respostas múltiplas desesperadas
38% já foram antes
32% nunca foram
19% não se lembram como era
24% ainda não se esqueceram
47% não faziam a menor idéia
76% ficaram perplexos
X % estão certos
Y % estão fartos
N % estão mortos
RECRUTAS
Dizem quase nada
os nomes e as datas
nesses granitos.
Diriam menos
os poemas
dos grafitos.
Não entendíamos
seus mitos.
Nunca ouviríamos.
Nem mesmo os gritos.
AS POMPAS E AS CIRCUNSTÂNCIAS
onde estão
os tambores cavando?
o infinito clarim,
onde grita?
onde os comandos, onde
as salvas de festim?
esses sons consolando,
esses sons onde estão?
onde
os que há pouco passavam
sob o sol marcial?
— a marcha densa, a guarda
luzindo em alamares,
talabartes, medalhas
na flanela de gala
(nas cabeças de estátua
a pala cobre os olhos
mas revela os olhares
meditando encobertos) —
— os cavalos, seus pêlos
penteados, os castos
arreios como elásticos
mantendo sem surpresa
as medidas precisas
do passo, pata em parte
no ar, parte no piso,
leve o tinir dos cascos —
— celebrantes silentes,
espadas e fuzis
das batalhas antigas
paralisando a tarde
nas bandeiras batendo
em lentidão solene,
a surdina encantada
de umas pedras, das árvores —
onde
os que há pouco passavam
sob o sol marcial?
o féretro, o esquife,
os negros ataúdes,
as funerárias urnas,
os múltiplos caixões,
em que tumbas e túmulos,
sepulcros, sepulturas,
sozinhos se despedem,
ausentes se acumulam?
que silêncio os esconde?
que antecipada treva?
que verdade se nega,
que memória se ensombra?
secretos, pessoais,
onde passam agora
os que há pouco passavam
sob o sol mundial?
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