André Luiz Pinto
Caros amigos,
O poeta André Luiz Pinto nasceu no Rio de Janeiro, em 1975.
Sua poesia parece ter um pé plantado no surrealismo
com versos desfocados do senso comum, ambíguos, às vezes obscuros e
desconcertantes. Essa é também a impressão do poeta e crítico Carlito Azevedo,
que vê "algo de surrealista nas imagens insólitas" de André Luiz.
De fato é surpreendente associar a lembrança da pessoa amada a "um leão rasgando
seda" (veja o poema "Incrível"). Ou, então, conservar um desejo numa "fronha de
nuvens" ("Quase um Corpo").
Com três livros publicados — Flor à Margem (1999); Um Brinco de
Cetim/Un Pendiente de Satén (2003); e Primeiro de Abril (2004) —,
André Luiz tem também poemas em revistas e jornais especializados.
Para este boletim, selecionei poemas de Flor à Margem e de Primeiro de
Abril.
Eduardo Guerreiro, que assina o posfácio deste último livro, propõe uma hipótese
de leitura segundo a qual a fragmentação e a obscuridade que marcam a poesia de
André Luiz Pinto favorecem "uma poderosa experiência da dúvida (...) poética
que, ao contrário de Descartes, tem a coragem de duvidar inclusive de si mesma".
Abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Leão rasgando seda
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André Luiz Pinto |
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INCRÍVEL
incrível
tua lembrança:
um leão
rasgando seda.
exponho
os pedaços do amor pela cama:
meia dúzia de anátemas; enjôos
(o brinco de cetim)
post-mortem de livro:
sabes, incalculável,
a soma destes viés
(porque somas
mas não soletras).
ONDE ANDO TODOS ME CONHECEM
onde ando todos me conhecem:
— lá vai o homem da flor.
Ninguém sabe dos meus pecados com Deus.
sou um homem para menos.
meu contar escorre ladeira.
Não creio em azar. Não por ser otimista
Por saber que a sorte é rara.
sempre ando pela direita.
todos os livros abrem apócrifos.
sou imagem e semelhança do desacontecido.
A pessoa que procuro não sou eu.
QUASE UM CORPO
Quase um corpo,
armadilha de seu
gesto impossível.
Se a boca revela
raríssimas flores,
o rosto conserva
o passível desejo na
fronha das nuvens,
nesse dia incomum
depois de tantos
crimes, notícias de
jornal, resumindo
com a boca imunda
os tempos de guerra
os dias felizes sem
você, café, qualquer
vício nessa cabeça
de homem, raposa.
[SEM TÍTULO]
Quando foste
— claríssimo não —
a bolsa da pálpebra
trincava geometria,
caíam lavas sobre
o velcro da pele,
braços de fórmica
enquanto amarias
e o que negavas
armavas plano
como um beijo
abjeto da retina.
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