José Inácio Vieira de Melo
Caros amigos,
Alagoano de nascimento, o
poeta José Inácio Vieira de Melo (1968-) é baiano na produção cultural. Editor,
produtor de eventos e divulgador de literatura, José Inácio é hoje uma das
figuras mais ativas do cenário cultural baiano.
Ele estreou com o livro Códigos do Silêncio (2000) e também publicou os
volumes Decifração de Abismos (2002) e Terceira Romaria (2005).
Logo na primeira leitura, uma característica se destaca na poesia de José
Inácio: o que ele escreve é a transmutação de experiências vividas.
Seu tema principal é a vida no sertão, ambiente que o autor conhece bem, já que
viveu dez anos no campo. "Conheçamos ou não dados biográficos de José
Inácio, fica logo evidente que se trata de um autor nordestino", ressalta o
poeta Ruy Espinheira Filho, destacando a aderência dos versos de José Inácio à
sua geografia existencial.
Outro traço marcante na poesia de José Inácio
Vieira de Melo é, quase sempre, a concretude das imagens — o que talvez também
resulte do aprendizado com o sertão. Em "Bodas de Sangue", poema dedicado à
dançarina sevilhana Cristina Hoyos, o poeta usa imagens fortes, chocantes até,
para configurar, à la João Cabral, uma tragédia em ritmo de flamenco
e peixeira nordestina.
No poema "Pastor", a voz lírica do poeta se volta para as sensações provocadas
pelo vento nas paragens do sertão. Ali, as dores são cavalos xucros e, para
curá-las, é preciso voltar os olhos para "uma roça de estrelas". Por fim, em
"Retrato", um Narciso mede distâncias em sua eterna briga com o espelho d'água.
Além de poeta, José Inácio Vieira de Melo é co-editor de Iararana,
revista baiana de arte e literatura. Com seu selo Aboio Livre, ele organizou e
publicou em 2004 o volume Concerto Lírico a Quinze Vozes –
Uma Coletânea de Novos Poetas da Bahia.
Um abraço,
Carlos Machado
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Uma roça de estrelas
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José Inácio Vieira de Melo |
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BODAS DE SANGUE
Para Cristina Hoyos
Que beleza é essa que tanto me incomoda?
Que olhar de tâmara — sâmaras que se
[ semeiam —
transborda dos cântaros de tua íris?
O que anunciam teus inquisidores e
[ translúcidos olhos?
Tudo em ti é duplo, senhora do amor bruxo.
De tuas mãos multiplicam-se os gestos
[ e as bênçãos
e com tuas mãos dizes mais que cem mil
[ bocas juntas
e essas mesmas mãos prenunciam a beleza
[ de tuas ancas.
Mas mais do que tudo, o que impera em ti
são esses milagres que são tuas tetas,
dois punhais que a cada instante furam
[ minha paz
e que me ensinaram a amargar a
[ verdadeira sede.
Ah Cristina Hoyos, deusa de Espanha,
vem bailando em nuvens e em versos de
[ García Lorca,
vem com teus punhais para a minha peixeira
[ de 12 polegadas,
pois as nossas bodas só podem ser de sangue.
PASTOR
Na noite do Sertão,
a vastidão das ondas do vento
—
essas plagas sempre foram mar
—
invade e inunda o que há,
com fúria maior que a das águas.
A voz das ondas do vento,
com seus passos sem rastros,
deixa marcas indeléveis
e açoita as dores
—
esses cavalos xucros
—
que disparam no íntimo do vivente
como numa Tróia às avessas.
E quando as chamas começam a afogar,
os olhos estendem-se aos céus,
mira-se a lavoura necessária:
uma roça de estrelas.
Aqueles olhos se ovelham
e o sono é sereno.
RETRATO
O espelho fotografa as distâncias
— um mar de
vidro nos separa,
mas narciso em lago e nuvem,
evaporo-me, precipito-me
para compor o ritmo dessas passagens,
para fundar o signo dessas trans-formas.
Na face do espelho d'água:
a menina dos meus olhos,
a tua verônica coroada.
Reparo-me nos longes das lentes.
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