Ilka Brunhilde Laurito
Caros amigos,
A poeta paulistana Ilka Brunhilde Laurito (1925-) estreou em 1948 com o livro
Caminho. Formada em letras pela USP, trabalhou no magistério secundário e
superior e vem publicando, além de poesia, contos, crônicas e ficção
infanto-juvenil.
Ativista, Ilka participou de movimentos de divulgação literária como o
Poesia na Praça, que fazia exposições de poemas na Praça da República, no
centro de São Paulo, em 1969, e Poetas na Praça, em 1975, um espetáculo teatral.
Em 1987, Ilka foi distinguida com o Prêmio Jabuti, atribuído ao livro
Canteiro de Obras. Três anos depois, ela voltaria a receber a mesma láurea
com o livro de ficção juvenil A Menina que Fez a América.
Nos textos transcritos ao lado, Ilka Laurito revela uma poesia que tem como
ponto de partida a observação de eventos cotidianos. A mulher e seu homem na
alcova, onde se misturam os cheiros de suor e de alfazema. O trabalho doméstico
de arrumar a cama. O desempregado que carrega a placa de publicidade pela rua.
Com essa mesma capacidade de extrair poesia de quase-nadas, migalhas do
cotidiano, Ilka reconstrói esse ditado popular:
ADÁGIO
Devagar
não vim ao longe.
Nem sequer cheguei aonde.
Eu me quebrei
buscando a fonte.
Mas inteira é a sede
do meu cântaro.
Um abraço,
Carlos Machado
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Para produzir este boletim enfocando a
poesia de Ilka Brunhilde Laurito, contei com a ajuda da professora, ensaísta e
poeta
Renata Pallottini. Ela não somente me chamou a atenção para o trabalho de
Ilka como, depois, conseguiu a foto da autora de Canteiro de Obras. Um
abraço à Renata Pallottini.
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NOTA EM 18/12/2012
O poesia.net registra, com pesar, o falecimento da poeta paulistana Ilka
Brunhilde Laurito, ocorrido no dia 11/12/2012.
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Suor e alfazema
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Ilka Brunhilde Laurito |
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COMUNHÃO
Já que me sinto muito digna
de me assentar à tua mesa,
não quero migalhas, não,
eu quero o pão inteiro.
Tu e eu, massa e fermento
em ávido silêncio:
casca e miolo,
o bolo
e o seu recheio
Vem.
Estende os lençóis sobre esta
mesa
com cheiro de suor e de
alfazema.
E vamos trabalhar a noite
e o seu levedo
com as mãos,
a boca,
o corpo aceso,
para que a aurora nos en-
tregue,
ainda quentes,
as últimas fatias de amor
amanhecente
com gosto de café, de leite
e de manteiga.
V [Canto ao arrumar a cama,]
Canto ao arrumar a cama,
canto
diligente verônica
oficiando os passos
da paixão cotidiana.
Exibo ao meu espelho atônito
os lençóis que estampam o corpo
do senhor que nunca me salvou
da crucificação no pranto.
E canto porque canto,
sem esperanças de glória
ou de ressurreição.
VIII [Olhos que tacteais este poema]
Olhos que tacteais este poema
como instruídos dedos
sobre as nervuras do espalmar
do texto,
olhos, lúcidos parceiros
da voz alinhavada em letras,
a luz que vos guia o íntimo
passeio,
cegos videntes,
é a que decifra os gestos desta
mão
que fala e canta
imprimindo as rugas do seu
críptico desenho
na lisa pele do papel em branco.
Leitor,
meu quiroamante.
MANHA(Ã)
O recém-nascido
chora de madrugada
seu choro alto.
Também o dia
recém-saído
de seu parto
dói a vida
no grito
anunciador
dos galos.
E se entreouvem
(a criança e a alvorada)
e pois que participam
da mesma hora clara
de reinventar a luz
na carne do mundo
e das criaturas
repartem irmãmente
a voz dúplice
da
noite.
Mas feita a escolha,
cabe à criança o silêncio,
e o seu avesso
à manhã que vai nascer
inaugurando inda uma vez
a criação dos sons
e o secreto mudar
da sombra em sol.
Agora,
a criança
dorme:
— O dia
acorda.
E sobre
o sono mudo
do filho do homem
debruça
o véu da aurora
e a canção de ninar
da noite
morta.
(1975)
PUBLICIDADE
Proibido colocar cartazes:
em chão
parede
poste.
(Em homem:
pode.)
(1963)
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