Número 123 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 29 de junho de 2005

«Cada leitor procura algo no poema. E não é insólito que o encontre: já o trazia dentro de si.» (Octavio Paz)
 


John Keats


Caros amigos,


Here lies One Whose Name was writ in Water. ("Aqui jaz alguém cujo nome foi escrito na água"). Esta frase pode ser lida no túmulo do poeta inglês John Keats (1795-1821), em Roma. Em seu leito de morte, ele decidiu que somente essas palavras deveriam ser gravadas em sua lápide, na qual nem consta seu nome.

John Keats nasceu em Finsbury Pavement, perto de Londres. Estudou para tornar-se um cirurgião, mas em 1814 abandonou o ramo médico para dedicar-se à vida literária. Assim, logo se aproximou de artistas conhecidos da época como os poetas Percy Shelley e James Leigh Hunt. Com a ajuda deste último, os primeiros versos de Keats foram publicados em 1816.

Um ano depois saiu o volume Poems, que reunia cerca de trinta textos, entre poemas variados e sonetos. Em 1820 o poeta publicou o volume Lamia, Isabella &c., que incluía suas celebradas "Ode a um rouxinol" e "Ode sobre uma urna grega". No mesmo ano, Keats, doente dos pulmões, foi aconselhado pelos médicos a evitar o inverno rigoroso da Inglaterra e mudou-se para a Itália. Infelizmente, a enfermidade já estava avançada e o poeta faleceu, com pouco mais de 25 anos, em fevereiro de 1821.

Desaparecido com tão pouca idade, o genial Keats legou-nos alguns poemas que o colocam, ao lado de William Wordsworth (1770-1850), como O poeta romântico inglês do século XIX. Entre as peças de altíssima fatura escritas por Keats estão suas duas magníficas odes, que vêm conquistando a admiração de sucessivas gerações de leitores há quase 200 anos.

Transcrevo ao lado a "Ode sobre uma urna grega", no original e na tradução de Augusto de Campos, que também verteu para o português a "Ode a um rouxinol". Arquétipo do poeta romântico, Keats vê nesse vaso grego a materialização da própria arte, um símbolo, ao mesmo tempo, de beleza e verdade. Estas, aliás, são para ele a mesma coisa, como está explícito no final do poema.

A urna grega, atravessando os séculos, dá a Keats a sensação de perenidade da grande arte. "Quando a idade apagar toda a atual grandeza, / Tu ficarás, em meio às dores dos demais". Nesse aspecto, o poeta aplica ao vaso milenar a mesma idéia já expressa antes no poema Endymion, escrito em 1818:
A thing of beauty is a joy forever — uma coisa bela é uma alegria para sempre.

A "Ode sobre uma urna grega" é uma coisa bela.


Abraço,

Carlos Machado
 

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A thing of beauty

John Keats (1795-1821)Em 1818, o jovem poeta romântico inglês John Keats (1795-1821) publicou o poema "Endymion", aquele que começa com o célebre verso "A thing of beauty is a joy for ever" (ao pé da letra: uma coisa bela é uma alegria para sempre).

Agora, o guitarrista Celso Fonseca musicou os cinco primeiros versos do poema. O grande barato desse diálogo com um poeta oitocentista é que a melodia flui com muita suavidade, com se tivesse nascido junto com as palavras de Keats.

Clique no alto-falante para ouvir a canção "A Thing of Beauty" no YouTube. Canta Celso Fonseca com a participação vocal, no final, de seu parceiro, o letrista Ronaldo Bastos. No piano, o auxílio luxuoso de João Donato.

Acompanhe a letra de Keats e, mais abaixo, a tradução do poeta Augusto de Campos:

A thing of beauty is a joy for ever: / Its loveliness increases; it will never / Pass into nothingness; but still will keep / A bower quiet for us, and a sleep / Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.

O que é belo há de ser eternamente / Uma alegria, e há de seguir presente. / Não morre; onde quer que a vida breve / Nos leve, há de nos dar um sono leve, / Cheio de sonhos e de calmo alento.



Beleza e verdade

John Keats

 





ODE SOBRE UMA URNA GREGA

                    Tradução: Augusto de Campos

I

Inviolada noiva de quietude e paz,
   Filha do tempo lento e da muda harmonia,
Silvestre historiadora que em silêncio dás
   Uma lição floral mais doce que a poesia:
Que lenda flor-franjada envolve tua imagem
   De homens ou divindades, para sempre errantes.
      Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo?
Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes?
   Que louca fuga? Que perseguição sem termo?
      Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem?


II

A música seduz. Mas ainda é mais cara
   Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom;
Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara,
   O supremo saber da música sem som:
Jovem cantor, não há como parar a dança,
   A flor não murcha, a árvore não se desnuda;
      Amante afoito, se o teu beijo não alcança
A amada meta, não sou eu quem te lamente:
   Se não chegas ao fim, ela também não muda,
      É sempre jovem e a amarás eternamente.


III

Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor
   Das folhas e não teme a fuga da estação;
Ah! feliz melodista, pródigo cantor
   Capaz de renovar para sempre a canção;
Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante!
   Para sempre a querer fruir, em pleno hausto,
      Para sempre a estuar de vida palpitante,
Acima da paixão humana e sua lida
   Que deixa o coração desconsolado e exausto,
      A fronte incendiada e língua ressequida.


IV

Quem são esses chegando para o sacrifício?
   Para que verde altar o sacerdote impele
A rês a caminhar para o solene ofício,
   De grinalda vestida a cetinosa pele?
Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente
   Ou no alto da colina foi despovoar
      Nesta manhã de sol a piedosa gente?
Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe
   Em tuas ruas, e ninguém virá contar
      Por que razão estás abandonada e triste.


V

Ática forma! Altivo porte! em tua trama
   Homens de mármore e mulheres emolduras
Como galhos de floresta e palmilhada grama:
   Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas
Tal como a eternidade: Fria Pastoral!
   Quando a idade apagar toda a atual grandeza,
      Tu ficarás, em meio às dores dos demais,
Amiga, a redizer o dístico imortal:
   "A beleza é a verdade, a verdade a beleza"
      — É tudo o que há para saber, e nada mais.








ODE
ON A GRECIAN URN

I

Thou still unravish’d bride of quietness,
   Thou foster-child of silence and slow time,
Sylvan historian, who canst thus express
   A flowery tale more sweetly than our rhyme:
What leaf-fring’d legend haunts about thy shape
   Of deities or mortals, or of both,
      In Tempe or the dales of Arcady?
What men or gods are these? What maidens loth?
   What mad pursuit? What struggle to escape?
      What pipes and timbrels? What wild ecstasy?


II

Heard melodies are sweet, but those unheard
   Are sweeter; therefore, ye soft pipes, play on;
Not to the sensual ear, but, more endear'd,
   Pipe to the spirit ditties of no tone:
Fair youth, beneath the trees, thou canst not leave
   Thy song, nor ever can those trees be bare;
      Bold lover, never, never canst thou kiss
Though winning near the goal — yet, do not grieve;
   She cannot fade, though thou hast not thy bliss,
      For ever wilt thou love, and she be fair!


III

Ah, happy, happy boughs! that cannot shed
   Your leaves, nor ever bid the Spring adieu;
And, happy melodist, unwearied,
   For ever piping songs for ever new;
More happy love! more happy, happy love!
   For ever warm and still to be enjoy’d,
      For ever panting, and for ever young;
All breathing human passion far above,
   That leaves a heart high-sorrowful and cloy’d,
      A burning forehead, and a parching tongue.


IV

Who are these coming to the sacrifice?
   To what green altar, O mysterious priest,
Lead’st thou that heifer lowing at the skies,
   And all her silken flanks with garlands drest?
What little town by river or sea shore,
   Or mountain-built with peaceful citadel,
      Is emptied of this folk, this pious morn?
And, little town, thy streets for evermore
   Will silent be; and not a soul to tell
      Why thou art desolate, can e’er return.


V

O Attic shape! Fair attitude! with brede
   Of marble men and maidens overwrought,
With forest branches and the trodden weed;
   Thou, silent form, dost tease us out of thought
As doth eternity: Cold Pastoral!
   When old age shall this generation waste,
      Thou shalt remain, in midst of other woe
Than ours, a friend to man, to whom thou say’st,
   «Beauty is truth, truth beauty,» —  that is all
      Ye know on earth, and all ye need to know.


                    (Publicado em 1820)
 

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Carlos Machado, 2005

In Augusto de Campos
Linguaviagem
Cia. das Letras, São Paulo, 1987