Número 127 - Ano 3

Quarta-feira, 27 de julho de 2005 

«Não acuso. Nem perdôo. / Nada sei. De nada. / Contemplo.» (Cecília Meireles)
 


Maria José Giglio


Caros amigos,

A poeta paulista Maria José Giglio (1933-) estreou em 1958 e, nestes quase cinqüenta anos de luta com palavras, publicou mais de 15 livros, participou de antologias e foi traduzida para o italiano, espanhol, inglês, francês e até húngaro. Além disso, mantém na gaveta um bom punhado de volumes inéditos. 

Ativista literária, Maria José proferiu conferências, organizou eventos, criou prêmios culturais. Em 1982, ela fundou a Casa do Escritor, em São Roque, SP, cidade onde vive até hoje.

Os poemas mostrados ao lado foram extraídos de dois dos trabalhos mais recentes de Maria José Giglio: uma série de quatro  livros publicados pela Casa do Escritor, de São Roque. Aqui estão representados textos de Para Violino Solo e O Corpo do Mundo.

No primeiro desses livros, a poeta explora a sonoridade das palavras ("Ouço glicínias / glissando / no terraço") e todos os poemas são como partes de um concerto sinfônico. Isso, aliás, é sugerido explicitamente pela seqüência de títulos: Opus I, Opus II, e assim por diante.

São versos para se ler com o ouvido bem afinado. Ali se ouve o tamborilar da chuva no telhado, trovões que ribombam como tubas e até os sons produzidos pela vespa no vidro da janela "rascante rumor de patas / na transparência falsa". Ao contrário do inseto de Drummond, em "Áporo", que se liberta do labirinto convertido em flor, não há redenção para essa vespa. A fuga, diz a poeta, é impossível.  Nem música nem escape.

Do volume O Corpo do Mundo incluo aqui o poema Flashe 12, uma espécie de instantâneo capturado num momento em que o lirismo funde a paisagem externa e o estado d'alma da poeta. É o momento em que a artista das palavras tenta "amarrar em signos" as inconsistências do mundo. O resultado é poesia.

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado



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poesia.net no jornal

Este boletim, pelo menos uma vez, teve circulação de grande imprensa, e em papel. Por iniciativa do poeta Florisvaldo Mattos, editor-chefe, o jornal A Tarde, de Salvador, reproduziu, no último domingo, 24/7, o conteúdo do poesia.net n. 121. Trata-se do boletim que pôs em foco o poeta Fernando Fábio Fiorese Furtado, de Juiz de Fora, MG. O texto do boletim e os poemas de Fiorese saíram no suplemento A Tarde Cultural.

 




 

 

Concerto para violino

Maria José Giglio

 



OPUS III

O luar invade a casa
como uma serenata para cordas.

Na memória
essa lua olha
naquela sala antiga
o amor.

Minto.
Não era a mesma lua.
Nem a mesma sou.


OPUS V

Nunca soube escrever o vento.

Se as palavras fossem bailarinas
sobre o papel

se o papel fosse árvore
em movimento

Impossível escrever o som
quando tudo é instrumento

:o céu, o mar, a terra
o corpo e seu alento.


OPUS VI

Ouço trovões como tubas
alardeando a chuva

Ouço glicínias
glissando
no terraço

e a natureza assente
ao drama de si mesma.

Ouço o silêncio do mundo.


OPUS VIII

A chuva marimba
sobre o telhado.

Cada textura e cor
altera o timbre.

A trepadeira alegre
sobre o muro
matraqueia.

E o contraponto grave
da folha larga
vermelha.

O vento apenas
— pródigo vento —
todos os tons esbanja
e a si próprio assemelha.


OPUS IX

Lá amarelo em flauta doce
a única flor
no jovem ipê.

Esplende
entre os tenros caules
num alarde

que o chuvisco rasga
derruba
e cala.


OPUS XVII

Toca a vespa
no vidro fixo da janela
uma fuga impossível.

Rascante rumor de patas
na transparência falsa.

Escala repetida
sem escape ou pausa.

Em surdina
agora inútil
o par de asas.


                    De Para Violino Solo (2002)


FLASHE 12

Vazio e forma se equivalem.

Não falo de contornos
de pausas
mas de ausência.

Da paisagem engolfada
na garoa densa.

Do mundo inconsistente
que amarro em signos

quando também estou
em suspense
e para outro visor
inexisto.


                    De O Corpo do Mundo (2002)
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

Maria José Giglio
•  Todos os "Opus "
    In Para Violino Solo  (1996-1997)
    Casa do Escritor, São Roque, SP,  2002
•  "Flashe 12"
    In O Corpo do Mundo   (1997-1998)
    Casa do Escritor, São Roque, SP,  2002