Maria José Giglio
Caros amigos,
A poeta paulista Maria José Giglio (1933-) estreou em 1958 e, nestes quase
cinqüenta anos de luta com palavras, publicou mais de 15 livros, participou de
antologias e foi traduzida para o italiano, espanhol, inglês, francês e até
húngaro. Além disso, mantém na gaveta um bom punhado de volumes inéditos.
Ativista literária, Maria José proferiu conferências, organizou eventos, criou
prêmios culturais. Em 1982, ela fundou a Casa do Escritor, em São Roque, SP,
cidade onde vive até hoje.
Os poemas mostrados ao lado foram extraídos de dois dos trabalhos mais recentes
de Maria José Giglio: uma série de quatro livros publicados pela Casa do
Escritor, de São Roque. Aqui estão representados textos de Para Violino Solo
e O Corpo do Mundo.
No primeiro desses livros, a poeta explora a sonoridade das palavras ("Ouço
glicínias / glissando / no terraço") e todos os poemas são como partes de um
concerto sinfônico. Isso, aliás, é sugerido explicitamente pela seqüência de
títulos: Opus I, Opus II, e assim por diante.
São versos para se ler com o ouvido bem afinado. Ali se ouve o tamborilar da
chuva no telhado, trovões que ribombam como tubas e até os sons produzidos pela
vespa no vidro da janela — "rascante rumor de patas /
na transparência falsa". Ao contrário do inseto de Drummond, em "Áporo", que se
liberta do labirinto convertido em flor, não há redenção para essa vespa. A
fuga, diz a poeta, é impossível. Nem música nem escape.
Do volume O Corpo do Mundo incluo aqui o poema Flashe 12, uma espécie de
instantâneo capturado num momento em que o lirismo funde a paisagem externa e o
estado d'alma da poeta. É o momento em que a artista das palavras tenta "amarrar
em signos" as inconsistências do mundo. O resultado é poesia.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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poesia.net no jornal
Este boletim, pelo menos uma vez, teve circulação de grande imprensa, e em
papel. Por iniciativa do poeta
Florisvaldo Mattos, editor-chefe, o jornal A Tarde, de Salvador,
reproduziu, no último domingo, 24/7, o conteúdo do
poesia.net n. 121. Trata-se do boletim que pôs em foco o poeta Fernando
Fábio Fiorese Furtado, de Juiz de Fora, MG. O texto do boletim e os poemas de
Fiorese saíram no suplemento A Tarde Cultural.
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Concerto para violino
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Maria José Giglio |
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OPUS III
O luar invade a casa
como uma serenata para cordas.
Na memória
essa lua olha
naquela sala antiga
o amor.
Minto.
Não era a mesma lua.
Nem a mesma sou.
OPUS V
Nunca soube escrever o vento.
Se as palavras fossem bailarinas
sobre o papel
se o papel fosse árvore
em movimento
Impossível escrever o som
quando tudo é instrumento
:o céu, o mar, a terra
o corpo e seu alento.
OPUS VI
Ouço trovões como tubas
alardeando a chuva
Ouço glicínias
glissando
no terraço
e a natureza assente
ao drama de si mesma.
Ouço o silêncio do mundo.
OPUS VIII
A chuva marimba
sobre o telhado.
Cada textura e cor
altera o timbre.
A trepadeira alegre
sobre o muro
matraqueia.
E o contraponto grave
da folha larga
vermelha.
O vento apenas
— pródigo vento —
todos os tons esbanja
e a si próprio assemelha.
OPUS IX
Lá amarelo em flauta doce
a única flor
no jovem ipê.
Esplende
entre os tenros caules
num alarde
que o chuvisco rasga
derruba
e cala.
OPUS XVII
Toca a vespa
no vidro fixo da janela
uma fuga impossível.
Rascante rumor de patas
na transparência falsa.
Escala repetida
sem escape ou pausa.
Em surdina
agora inútil
o par de asas.
De Para Violino Solo (2002)
FLASHE 12
Vazio e forma se equivalem.
Não falo de contornos
de pausas
mas de ausência.
Da paisagem engolfada
na garoa densa.
Do mundo inconsistente
que amarro em signos
quando também estou
em suspense
e para outro visor
inexisto.
De O Corpo do Mundo (2002)
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