Tasso da Silveira
Caros amigos,
Nascido em Curitiba, em 1895, Tasso Azevedo da Silveira
exerceu as atividades de jornalista, deputado, professor universitário e
dramaturgo. No entanto, foi como poeta que ele deixou sua marca. Em 1918, ele
formou-se em ciências jurídicas no Rio de Janeiro e, nesse mesmo ano, publicou
seu livro de estréia, Fio d´Água.
Nos anos seguintes, colaborou em diversos jornais e revistas. Em 1927, ao lado
de outros intelectuais, lançou a revista Festa, que reunia a chamada
"corrente espiritualista" do modernismo. Com ele estavam Andrade Muricy, Adelino
Magalhães, Cecília Meireles, Murilo Araújo, Plínio Salgado e Tristão de Ataíde.
O grupo Festa fazia oposição aberta ao espírito revolucionário dos modernistas
de São Paulo.
Tasso, por exemplo, defendia o pensamento provinciano, em contraposição à cidade
cosmopolita. Uma visão, portanto, antípoda da concepção modernista, que se firma
como uma estética associada ao crescimento das concentrações urbanas.
Também se costuma classificar o grupo Festa como uma espécie de "reação
simbolista". De fato, basta prestar atenção e ver que há na poesia de Cecília
Meireles e do próprio Tasso da Silveira uma influência indiscutível do
simbolismo. Com uma obra que reúne doze livros de poemas, mais ensaios, romances
e textos teatrais, Tasso da Silveira faleceu em 1968.
Apesar da oposição ao modernismo, Tasso da Silveira colheu elogios de uma das
principais figuras modernistas, o poeta, ensaísta, romancista e musicólogo Mário
de Andrade:
"(...) esse artista apresenta a imagem quase brutal, em nosso meio, da
coerência, da probidade silenciosa, do respeito para com os seus próprios
ideais. (...) E os seus poemas, tão mansos e silenciosos, soam como um clamor."
Essa apreciação do autor de Macunaíma está no livro O Empalhador de
Passarinho, de 1944.
O que ressalta na poesia de Tasso da Silveira é um lirismo construído com o
sentimento do imponderável: o pássaro, o êxtase, a treva. É também esse fascínio
pelo mar, pelos barcos e pelas ressonância longínqua das estrelas.
Os poemas aqui transcritos vieram dos livros Regresso à Origem, de 1960,
e Tasso da Silveira – Poemas. Este último é uma
coletânea publicada em 2003 pela Academia Brasileira de Letras em co-edição com
a editora paulista GRD. Trata-se, aparentemente, do único título do autor em
circulação.
Um abraço,
Carlos Machado
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Pássaro na treva
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Tasso da Silveira |
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CANÇÃO
No fim de contas, um pássaro
cantando na noite densa
é coisa que a gente encontra
muitas vezes, mesmo longe
do vago mundo da lenda.
Alma é dor, mas também êxtase.
E quando menos se espera
da areia surge uma fonte,
nasce uma rosa na sombra,
canta um pássaro na treva.
A amada chegando tímida
é a rosa por que esperamos,
o amigo, uma fonte fresca,
e a lua no céu acesa
vale um pássaro cantando.
Solta um pássaro notívago
profunda e grave cantiga
no entanto pura e singela:
isto ocorre quando o Poeta
canta na noite da vida.
NOTURNO
Veleiro ao cais amarrado
em vago balouço, dorme?
Não dorme. Sonha, acordado,
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.
Se acaso me objetardes
que veleiro não é gente
e, assim, não sonha nem sente,
sem orgulhos nem alardes
eu direi: por que haveria
de falar-vos do homem triste
mas de olhar grave e profundo
que, à amargura acorrentado
sonha, no entanto, que vive
toda a beleza do mundo?
Melhor é dizer: Veleiro...
veleiro ao cais amarrado,
sob as límpidas estrelas.
Vela branca é uma alma trêmula,
sobretudo se cai sombra
do alto abismo constelado.
Veleiro, sim, que não dorme
mas na silente penumbra
sonha, ao balouço, acordado
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.
FRONTEIRA
Há o silêncio das estradas
e o silêncio das estrelas
e um canto de ave, tão branco,
tão branco, que se diria
também ser puro silêncio.
Não vem mensagem do vento,
nem ressonâncias longínquas
de passos passando em vão.
Há um porto de águas paradas
e um barco tão solitário,
que se esqueceu de existir.
Há uma lembrança do mundo
mas tão distante e suspensa...
Há uma saudade da vida
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.
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