Número 130 - Ano 3

Quarta-feira, 17 de agosto de 2005 

«Também há naus que não chegam / mesmo sem ter naufragado.» (Jorge de Lima)
 


Tasso da Silveira


Caros amigos,

Nascido em Curitiba, em 1895, Tasso Azevedo da Silveira exerceu as atividades de jornalista, deputado, professor universitário e dramaturgo. No entanto, foi como poeta que ele deixou sua marca. Em 1918, ele formou-se em ciências jurídicas no Rio de Janeiro e, nesse mesmo ano, publicou seu livro de estréia, Fio d´Água.

Nos anos seguintes, colaborou em diversos jornais e revistas. Em 1927, ao lado de outros intelectuais, lançou a revista Festa, que reunia a chamada "corrente espiritualista" do modernismo. Com ele estavam Andrade Muricy, Adelino Magalhães, Cecília Meireles, Murilo Araújo, Plínio Salgado e Tristão de Ataíde. O grupo Festa fazia oposição aberta ao espírito revolucionário dos modernistas de São Paulo.

Tasso, por exemplo, defendia o pensamento provinciano, em contraposição à cidade cosmopolita. Uma visão, portanto, antípoda da concepção modernista, que se firma como uma estética associada ao crescimento das concentrações urbanas.

Também se costuma classificar o grupo Festa como uma espécie de "reação simbolista". De fato, basta prestar atenção e ver que há na poesia de Cecília Meireles e do próprio Tasso da Silveira uma influência indiscutível do simbolismo. Com uma obra que reúne doze livros de poemas, mais ensaios, romances e textos teatrais, Tasso da Silveira faleceu em 1968.

Apesar da oposição ao modernismo, Tasso da Silveira colheu elogios de uma das principais figuras modernistas, o poeta, ensaísta, romancista e musicólogo Mário de Andrade:
"(...) esse artista apresenta a imagem quase brutal, em nosso meio, da coerência, da probidade silenciosa, do respeito para com os seus próprios ideais. (...) E os seus poemas, tão mansos e silenciosos, soam como um clamor." Essa apreciação do autor de Macunaíma está no livro O Empalhador de Passarinho, de 1944.

O que ressalta na poesia de Tasso da Silveira é um lirismo construído com o sentimento do imponderável: o pássaro, o êxtase, a treva. É também esse fascínio pelo mar, pelos barcos e pelas ressonância longínqua das estrelas. 

Os poemas aqui transcritos vieram dos livros Regresso à Origem, de 1960, e Tasso da Silveira Poemas. Este último é uma coletânea publicada em 2003 pela Academia Brasileira de Letras em co-edição com a editora paulista GRD. Trata-se, aparentemente, do único título do autor em circulação.

Um abraço,

Carlos Machado
 

                  • • •

 

 

Pássaro na treva

Tasso da Silveira

 


CANÇÃO


No fim de contas, um pássaro

cantando na noite densa

é coisa que a gente encontra

muitas vezes, mesmo longe

do vago mundo da lenda.

 

Alma é dor, mas também êxtase.

E quando menos se espera

da areia surge uma fonte,

nasce uma rosa na sombra,

canta um pássaro na treva.

A amada chegando tímida

é a rosa por que esperamos,

o amigo, uma fonte fresca,

e a lua no céu acesa

vale um pássaro cantando.

 

Solta um pássaro notívago

profunda e grave cantiga

no entanto pura e singela:

isto ocorre quando o Poeta

canta na noite da vida.


NOTURNO


Veleiro ao cais amarrado
em vago balouço, dorme?
Não dorme. Sonha, acordado,
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

Se acaso me objetardes
que veleiro não é gente
e, assim, não sonha nem sente,
sem orgulhos nem alardes
eu direi: por que haveria
de falar-vos do homem triste
mas de olhar grave e profundo
que, à amargura acorrentado
sonha, no entanto, que vive
toda a beleza do mundo?

Melhor é dizer: Veleiro...
veleiro ao cais amarrado,
sob as límpidas estrelas.
Vela branca é uma alma trêmula,
sobretudo se cai sombra
do alto abismo constelado.
Veleiro, sim, que não dorme
mas na silente penumbra
sonha, ao balouço, acordado
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

 


FRONTEIRA

Há o silêncio das estradas
e o silêncio das estrelas
e um canto de ave, tão branco,
tão branco, que se diria
também ser puro silêncio.
Não vem mensagem do vento,
nem ressonâncias longínquas
de passos passando em vão.
Há um porto de águas paradas
e um barco tão solitário,
que se esqueceu de existir.
Há uma lembrança do mundo
mas tão distante e suspensa...

Há uma saudade da vida
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

Tasso da Silveira
•   "Canção"
    In Tasso da Silveira - Poemas
    Organização e seleção de Ildásio Tavares  
    ABL/Edições GRD, São Paulo, 2003
•   "Noturno"; "Fronteira"
    In Regresso à Origem, 1960