Mário Faustino
Caros,
Nascido em Teresina-PI, em 1930, o jornalista, poeta e crítico
Mário Faustino (1930-1962) mudou-se aos 9 anos para Belém do Pará. Aí estudou
direito (não concluiu) e trabalhou como jornalista desde 1946. Manteve uma
coluna diária no jornal A Província do Pará e dirigiu a redação da
Folha do Norte. Nesse último periódico publicou seus primeiros poemas e
traduções de poesia americana, inglesa e francesa.
Em 1955 sai seu primeiro e único livro de poesia, O Homem e Sua Hora. Em
1956 Faustino muda-se para o Rio. Entre setembro de 1956 e novembro de 1958,
escreve no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil a página
Poesia-Experiência. Nessa página, ele exercita a crítica mediante ensaios
sucintos nos quais apresenta grandes mestres da poesia moderna internacional –
Baudelaire, Emily Dickinson, Rimbaud, Pound – e também discute a poesia
brasileira.
Dono de conhecimento enciclopédico, Mário Faustino falava com fluência em
inglês, francês, alemão, italiano e espanhol. Em 1959 foi para os Estados Unidos
como funcionário da ONU e lá permaneceu até 1962. No final de novembro desse
ano, indo para o México em missão jornalística, o poeta faleceu quando o avião
em que viajava chocou-se com uma montanha, logo após uma escala em Lima, no
Peru.
Mário Faustino é mais conhecido pelo trabalho crítico que como poeta. Em parte
isso se deve às polêmicas que provocou na página Poesia-Experiência. Seguidor
das concepções poéticas de Ezra Pound, ele adotou como lema a frase do poeta
americano “repetir para aprender, criar para renovar”. Ousado, o jovem Faustino
não poupou de críticas nem mesmo figuras como Carlos Drummond de Andrade, Manuel
Bandeira e João Cabral de Melo Neto.
Ele escreve que Drummond “é dono do mais ponderável corpo de poemas que já se
formou em nossa história literária”. Mas acrescenta que o mineiro não escreve
crítica, “não manifesta grande interesse pelo progresso da poesia”. Incentivador
de primeira hora da nascente poesia concreta, ele via nos poetas da vanguarda
paulista uma possível saída para a renovação da poesia brasileira.
"Ele teve coragem de escrever. Não que eu concorde com todas as críticas e
opiniões dele, mas eu constato certa coragem de dizer o que pensava sobre os
ícones sagrados", diz a professora e ensaísta Maria Eugenia Boaventura, da
Universidade Estadual de Campinas, que organizou a reedição da obra de Faustino.
Devido ao seu grande conhecimento da tradição literária, a poesia de Mário
Faustino tem sabor clássico. É fácil notar em seus textos o trabalho de quem leu
gregos e latinos, mais os grandes poetas modernos. Ao mesmo tempo, a poesia
faustiniana apresenta uma face experimental, estimulada pelas idéias de
renovação literária perseguidas pelo poeta.
Só recentemente a obra completa de Mário Faustino —
crítica, poesia e tradução — passou a estar disponível
em livro. Veja abaixo uma lista de livros do autor:
• Poesia-Experiência
(Ensaios da página homônima do
Jornal do Brasil selecionados
pelo crítico paraense Benedito
Nunes, amigo de Faustino)
Editora Perspectiva, 1976
• Os Melhores Poemas de
Mário
Faustino
Editora Global, 2000
• Artesanatos de Poesia
(Outros ensaios da página
Poesia-Experiência sobre poetas
que fundaram a modernidade)
Organização de Maria Eugenia
Boaventura
Companhia das Letras, 2004
• De Anchieta aos Concretos
(Ensaios sobre poesia brasileira)
Organização de Maria Eugenia
Boaventura
Companhia das Letras, 2003
• O Homem e Sua Hora e
Outros
Poemas
Organização de Maria Eugenia
Boaventura
Companhia das Letras, 2002
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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O homem e sua hora
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Mário Faustino |
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ROMANCE
Para as Festas da Agonia
Vi-te chegar, como havia
Sonhado já que chegasses:
Vinha teu vulto tão belo
Em teu cavalo amarelo,
Anjo meu, que, se me amasses,
Em teu cavalo eu partira
Sem saudade, pena, ou ira;
Teu cavalo, que amarraras
Ao tronco de minha glória
E pastava-me a memória
Feno de ouro, gramas raras.
Era tão cálido o peito
Angélico, onde meu leito
Me deixaste então fazer,
Que pude esquecer a cor
Dos olhos da Vida e a dor
Que o Sono vinha trazer.
Tão celeste foi a Festa,
Tão fino o Anjo, e a Besta
Onde montei tão serena,
Que posso, Damas, dizer-vos
E a vós, Senhores, tão servos
De outra Festa mais terrena —
Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte.
SINTO QUE O MÊS PRESENTE
ME ASSASSINA
Sinto que o mês presente me assassina,
As aves atuais nasceram mudas
E o tempo na verdade tem domínio
sobre homens nus ao sul das luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de um cristo preso,
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
À força de suor, de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos.
O tempo na verdade tem domínio,
Amen, amen vos digo, tem domínio
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
O SOM DESTA PAIXÃO
ESGOTA A SEIVA
O som desta paixão esgota a seiva
Que ferve ao pé do torso; abole o gesto
De amor que suscitava torre e gruta,
Espada e chaga à luz do olhar blasfemo;
O som desta paixão expulsa a cor
Dos lábios da alegria e corta o passo
Ao gamo da aventura que fugia;
O som desta paixão desmente o verbo
Mais santo e mais preciso e enxuga a lágrima
Ao rosto suicida, anula o riso;
O som desta paixão detém o sol,
O som desta paixão apaga a lua.
O som desta paixão acende o fogo
Eterno que roubei, que te ilumina
A face zombeteira e me arruína.
•
. . .
Juventude —
a jusante a maré entrega tudo —
maravilha do vento soprando sobre a maravilha
de estar vivo e capaz de sentir
maravilhas no vento —
amar a ilha, amar o vento, amar o sopro,
[ o rasto —
maravilha de estar ensimesmado
(a maravilha: vivo!),
tragado pelo vento, assinalado
nos pélagos do vento, recomposto
nos pósteros do tempo, assassinado
na pletora do vento —
maravilha de ser capaz,
maravilha de estar a posto,
maravilha de em paz sentir
maravilhas no vento,
encapelado vento —
mar à vista da ilha,
eternidade à vista
do tempo —
o tempo: sempre o sopro
etéreo sobre os pagos, sobre as régias do vento,
do montuoso vento —
e a terna idade amarga — juventude —
êxtase ao vivo, ergue-se o vento lívido,
vento salgado, paz de sentinela
maravilhada à vista
de si mesma nas algas
do tumultuoso vento,
de seus restos na mágoa
do tumulário tempo,
de seu pranto nas águas do mar justo —
maravilha de estar assimilado
pelo vento repleto
e pelo mar completo — juventude —
a montante a maré apaga tudo
. . .
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