Número 137 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 2005

«Uma outra coisa é o verdadeiro canto. Um sopro ao nada. Um vôo em Deus. Um vento.» (Rainer Maria Rilke)
 


William Butler Yeats


Caros amigos,


Poeta e dramaturgo irlandês, William Butler Yeats (1865-1939) é considerado uma das vozes fundamentais da poesia ocidental no século XX. Yeats publicou sua primeira coletânea de textos, The Wanderings Of Oisin And Other Poems (As peregrinações de Oisin e outros poemas), em 1889. Interessado em cultura popular, ele também foi fascinado durante toda a vida por temas exóticos como reencarnação, comunicação com os mortos e misticismo oriental.

Ensaísta, autor e diretor teatral, Yeats tornou-se um dos fundadores do Teatro Nacional Irlandês, em 1901. Com seu nome já projetado internacionalmente, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1923. Nove anos mais tarde, fundaria a Academia Irlandesa de Letras.

Yeats também atuou na política e ocupou o cargo de senador após a independência da Irlanda, em 1922.  Nacionalista e aristocrático, chegou a manifestar admiração por Mussolini e teve um breve envolvimento com os camisas-azuis irlandeses, movimento político de inspiração fascista.

Alguns dos poemas de Yeats estão entre os mais conhecidos, estudados e traduzidos da literatura ocidental. Dois deles estão transcritos aqui: “Sailing to Byzantium” (Velejando para Bizâncio), escrito em 1927, e “What then?” (E daí?), de 1936.

No início de 2000, o jornal Folha de S. Paulo, com base numa pesquisa entre críticos brasileiros, destacou “Sailing to Bizantium” como o número 4 de uma lista chamada Os Cem Melhores Poemas do Século XX. Nesse poema a decadência física da velhice e proximidade da morte são confrontadas com o vigor juvenil, identificado com a permanência da arte. "Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância, / em busca da cidade santa de Bizâncio", canta o poeta.

Em seu livro Linguaviagem, Augusto de Campos traça uma aproximação entre essa mítica Bizâncio de Yeats com a “Ode sobre uma Urna Grega”, do poeta romântico inglês John Keats, publicado cem anos antes. Em ambos os textos destaca-se a idéia da beleza, algo “livre da natureza” e portanto isenta da decadência natural.

No outro poema, “What Then?”, um Yeats maduro recorre ao “fantasma de Platão” para pôr em questão seu próprio sucesso e realizações pessoais. Ele mesmo admitia que esse texto é “um melancólico poema biográfico”. Para fechar a seleção, incluímos ainda o texto “The Fascination of What’s Difficult” (O prazer do difícil), no qual o poeta discute a dor e a delícia da criação artística. No caso, ele lamenta ter deixado de lado a poesia a fim de dedicar-se à direção de teatro. De fato, ele fez isso em 1904.

Antes de encerrar, uma palavra sobre as traduções. Para apresentar Yeats em nosso idioma, recorri a dois dos mais consagrados e experientes tradutores de poesia para o português: Augusto de Campos e Ivo Barroso. As versões do primeiro vêm do já citado volume Linguaviagem, que reúne ensaios e traduções de poemas de Mallarmé, Valéry, Keats, Yeats e Alexander Blok. A tradução de Ivo Barroso está em O Torso e O Gato, uma coletânea multilíngüe de poemas trazidos para o português, incluindo de Rilke a Ungaretti, de Shakespeare a Jorge Luis Borges.

Um abraço, e até a próxima.


Carlos Machado

 

                     • • •

Rumo à cidade santa

William Butler Yeats

 


VIAJANDO PARA BIZÂNCIO

                  Tradução: Augusto de Campos

Aquela não é terra para velhos. Gente
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas
gerações de mortais cantando alegremente,
salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas,
peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente
tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece
as obras do intelecto que nunca envelhece.

Um homem velho é apenas uma ninharia,
trapos numa bengala à espera do final,
a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria
sobre os farrapos do seu hábito mortal;
nem há escola de canto, ali, que não estude
monumentos de sua própria magnitude.
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância, em busca da cidade santa de Bizâncio.

Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado,
como se num mosaico de ouro a resplender,
vinde do fogo santo, em giro espiralado,
e vos tornai mestres-cantores do meu ser .
Rompei meu coração, que a febre faz doente
e, acorrentado a um mísero animal morrente,
já não sabe o que é; arrancai-me da idade
para o lavor sem fim da longa eternidade.

Livre da natureza não hei de assumir
conformação de coisa alguma natural,
mas a que o ourives grego soube urdir
de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas,
para acordar do ócio o sono imperial;
ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas,
pousado em ramo de ouro, como um pássa-
ro, o que passou e passará e sempre passa.



SAILING TO BYZANTIUM

That is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees —
Those dying generations — at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.

An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

O sages standing in God's holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.

                                        1927


E DAÍ?

                  Tradução: Ivo Barroso

Estudante, os mais íntimos colegas
Já viam nele um grande gênio então;
Ele também; e agiu segundo as regras
Passando em claro as suas noites negras.
E daí? canta a sombra de Platão.

Seus escritos lhe dão notoriedade;
Ao cabo de alguns anos ganha tão
Bem que não passa mais necessidades;
Seus amigos, amigos de verdade.
E daí? canta a sombra de Platão.

Seus sonhos todos vêm à luz do dia:
Casa boa, mulher, filhos, carrão,
Horta e pomar onde tudo crescia,
Poetas e Sábios sobre ele choviam.
E daí? canta a sombra de Platão.

Obra completa, já maduro, tosse:
"Meu projeto de jovem concluí;
Que os tolos clamem; um senão que fosse;
Pois algo ao nível do perfeito eu trouxe."
E a voz mais alto: E daí? E daí?


WHAT THEN?

His chosen comrades thought at school
He must grow a famous man;
He thought the same and lived by rule,
All his twenties crammed with toil;
"What then?" sang Plato's ghost. "What then?"

Everything he wrote was read,
After certain years he won
Sufficient money for his need,
Friends that have been friends indeed;
"What then?" sang Plato's ghost. "What then?"

All his happier dreams came true

A small old house, wife, daughter, son,
Grounds where plum and cabbage grew,
poets and Wits about him drew;
"What then?" sang Plato's ghost. "What then?"

"The work is done," grown old he thought,
"According to my boyish plan;
Let the fools rage, I swerved in naught,
Something to perfection brought";
But louder sang that ghost,
"What then?"


                                        1936

 

O PRAZER DO DIFÍCIL

                  Tradução: Augusto de Campos

O prazer do difícil tem secado
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostrado,
E carregasse pedras. Diabos levem
As peças de teatro que se escrevem
Com cinqüenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários,
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente,
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado.


THE FASCINATION OF WHAT'S DIFFICULT

The fascination of what's difficult
Has dried the sap out of my veins, and rent
Spontaneous joy and natural content
Out of my heart. There's something ails our colt
That must, as if it had not holy blood
Nor on Olympus leaped from cloud to cloud,
Shiver under the lash, strain, sweat and jolt
As though it dragged road-metal. My curse on
                                                [ plays
That have to be set up in fifty ways,
On the day's war with every knave and dolt,
Theatre business, management of men.
I swear before the dawn comes round again
I'll find the stable and pull out the bolt.

                                        1910

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

William Butler Yeats
• "Viajando para Bizâncio","O Prazer do Difícil"
   In Augusto de Campos
   Linguaviagem
   Cia das Letras, São Paulo, 1987
• "E daí?
   In Ivo Barroso
   O Torso e O Gato — O Melhor da
   Poesia Universal
 
   Record, Rio de Janeiro, 1991