Moacyr Félix
Caros,
Estreante em 1948 com o livro Cubo de Trevas, o poeta carioca Moacyr
Félix de Oliveira (1926-2005) teve seu nome quase sempre associado a uma poesia
de militância social. Eram muito conhecidos, nos anos 60 e 70, seus poemas
contidos em livros como Canto para as Transformações do Homem (1964),
Um Poeta na Cidade e no Tempo (1966) e Invenção de Crença e Descrença
(1978). Também no início dos anos 60, coordenou a série de livros Violão de Rua,
que incentivava a poesia engajada. Moacyr Félix faleceu no Rio na semana
passada, aos 79 anos.
Filósofo graduado na Sorbonne e também advogado, ele foi um dos fundadores e
diretores de importantes publicações de cultura e debate, a exemplo da
Revista Civilização Brasileira, que circulou entre 1964 e 1968, e da revista
Paz e Terra, criada em 1966. Em ambos os casos, trabalhou em associação
com o editor Ênio Silveira.
Lida pelas novas gerações, a poesia engajada de Moacyr Félix deve causar
estranhamento. Tanto pelo engajamento em si como pela sua fatura eminentemente
discursiva. Fica, porém, o anseio de justiça e liberdade do poeta. Também
permanece a vertente lírica de sua poesia. Dela selecionei os três poemas
transcritos ao lado.
Em homenagem a Moacyr Félix, fiquemos com as palavras do crítico Antonio
Candido: "Moacyr Félix é um poeta que deseja intervir na vida, porque, como
sugere um poema do seu livro O Pão e o Vinho, se os deuses podem
abismar-se na meditação, ao homem só é dado agir.”
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Na cidade e no tempo
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Moacyr Félix |
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TARDE NA ILHA
Não sei por quê,
mas tenho
uma vontade mansa de tomar chá
com Thomas Stearns Eliot,
de não dizer nada
de não perguntar nada,
e ficar olhando
todas as manchetes e todas as capas
de todos os livros,
olhando de olhos vazios
não como os do morto, mas vazios
como o luar que orvalha a tamareira e o poço.
Uma vez ou outra, ouvirei
a colherinha pousar na porcelana frágil,
e é tudo que eu ouvirei, a colherinha de prata.
Talvez até lhe dissesse uma coisa qualquer, uma
[ coisa
só para quebrar o silêncio, só para isso,
uma coisa sem importância, simples, como por
[ exemplo:
Você sabe, ó T.S. Eliot, minha mãe já foi muito
[ bonita...
Paris, 1950
FLAUTIM
Foi quando
naquele
momento
tão longe,
disseste
nos olhos
o que
nem tu
sabias,
e agora
não lembras,
que dentro
de mim,
oculto
no sangue
e em gosto
de Terra,
senti o
mistério
fluindo.
Naquele
momento
fui deus.
POEMA QUASE EXPLICAÇÃO
Luzes cortaram mais uma vez a noite básica
e desenharam o mundo em que vivemos.
E as estrelas derramaram pedra e cal
e construíram em cada olhar muralhas
onde fonte magra pinga sol e lua,
— e o relógio é um deus cantando as horas
horas de pedra e cal, prontas para o nada.
Simplificado como uma lágrima
cruzaste a tua ponte de meninos mortos:
não mais o refletido caminhar
de teus passos na noite iluminada,
mas o descer com os olhos a ladeira
e deixá-los no cárcere sem portas
onde os ratos e os anjos se devoram.
Impassível como um tronco de árvore, onde
os homens gravam a canivete o que calaram.
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