Número 143 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 2005

«A luz tem idade. A noite não.» (René Char)
 

Giuseppe Ungaretti
Giuseppe Ungaretti


Caros amigos,

O poeta Giuseppe Ungaretti nasceu em Alexandria, no Egito, em 1888, de pais italianos. O pai, que trabalhava na construção do canal de Suez, morreu quando ele tinha 2 anos. A mãe continuou a sustentar a família trabalhando numa padaria.
Ungaretti viveu no Egito até 1912, quando se transferiu para Paris, a fim de estudar na Sorbonne. Nesse período, ele tomou contato com escritores e artistas plásticos de vanguarda, entre os quais Guillaume Apollinaire, Pablo Picasso, Giorgio de Chirico, Georges Braque e Amedeo Modigliani.

Em 1914, Ungaretti vai para a Itália e no ano seguinte é convocado para lutar na Primeira Guerra Mundial. Seu primeiro livro de poemas, Il Porto Sepolto (O Porto Sepulto) foi escrito durante a guerra e trata de suas experiências nas trincheiras. Os textos ao lado são desse período.

No pós-guerra, em 1921, Ungaretti adere ao fascismo. Mussolini chega a assinar a apresentação de um de seus livros de poesia. Em 1936, vem para o Brasil e dá aulas de literatura na recém-criada Universidade de São Paulo, onde permanece até 1942. De volta à Itália, continua suas atividades de professor na Universidade de Roma. Ungaretti morreu em Milão em 1970.

Ao lado de Eugenio Montale (1896-1981) e Salvatore Quasimodo (1901-1968), Giuseppe Ungaretti forma a mais alta trindade da poesia italiana no século XX. Os três, aliás, são considerados participantes do mesmo movimento literário italiano, o hermetismo. Uma curiosidade sobre o trio é que os dois primeiros foram distinguidos com o prêmio Nobel: Quasimodo em 1959 e Montale em 1975. Acredita-se que as simpatias fascistas de Ungaretti

pesaram para que ele não fosse laureado com o Nobel.


Não há notícia de que Ungaretti tenha feito uma autocrítica formal de sua posição política. Esse é um aspecto que intriga a crítica literária e biográfica, em vista da  contradição entre o ideário fascista e a poesia ungarettiana, marcada por um lirismo que se mostra flagrantemente contra a guerra.

Autor de uma poesia enxuta, Ungaretti levou ao extremo a idéia de despojar os versos de toda previsibilidade. Ao lado, é fácil constatar isso em metáforas como "esmaltei-me / de margaridas" ou "Hoje estou bêbado / de universo". Não é possível deixar de citar esse belíssimo e conciso "Manhã", poema com apenas quatro palavras: "Ilumino-me / de imenso". A concisão não esconde — ao contrário, potencializa — a emoção contida nesses microversos.

Todos os poemas incluídos nesta pequena mostra da poesia de Ungaretti foram extraídos do livro A Alegria, cuidadosa edição bilíngüe com tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti. Pernambucano, diplomata de carreira, Cavalcanti também publicou recentemente coletâneas bilíngües com poemas de Quasimodo e Montale.


Um abraço,

Carlos Machado

 

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DRUMMOND. UMA PERGUNTA

Já vai para mais de três anos que o site oficial do poeta Carlos Drummond de Andrade (www.carlosdrummond.com.br) está desativado.

Não é estranho?

 

 

Bêbado de universo

Giuseppe Ungaretti

 



ETERNO

Entre uma flor colhida e outra ofertada
o inexprimível nada


ETERNO

Tra un fiore colto e l'altro donato
l'inesprimibile nulla


*

MANHÃ
Santa Maria La Longa, 26 de janeiro de 1917

Ilumino-me
de imenso


MATTINA
Santa Maria La Longa il 26 gennaio 1917

M'illumino
d'immenso.

*

ANIQUILAMENTO
Versa, 21 de maio de 1916

Meu coração esbanjou vaga-lumes
se acendeu e apagou
de verde em verde
fui contando

Com minhas mãos plasmo o solo
difuso de grilos
modulo-me
com
igual submisso
coração

Bem-me-quer mal-me-quer
esmaltei-me
de margaridas
enraizei-me
na terra apodrecida
cresci
como um cardo
sobre o caule torto
colhi-me
no tufo
do espinhal

Hoje
como o Isonzo
de asfalto azul
me fixo


ANNIENTAMENTO
Versa il 21 maggio 1916


Il cuore ha prodigato le lucciole
s'è acceso e spento
di verde in verde
ho compitato

Colle mie mani plasmo il suolo
diffuso di grilli
mi modulo
di
somesso uguale
cuore

M'ama non m'ama
mi sono smaltato
di margherite
mi sono radicato
nella terra marcita
sono cresciutto
come un crespo
sullo stelo torto
mi sono colto
nel tuffo
di spinalba

Oggi
come l'Isonzo
di asfalto azzurro
mi fisso


*

IRMÃOS
Mariano, 15 de julho de 1916


A que regimento pertenceis
irmãos?

Palavra que estremece
na noite

Folha recém-nascida

No espasmo do ar
a involuntária revolta
do homem que encara sua
fragilidade

Irmãos


FRATELLI
Mariano il 15 luglio 1916


Di che reggimento siete
fratelli?

Parola tremante
nella notte

Foglia appena nata

Nell'aria spasimante
involuntaria rivolta
dell'uomo presente alla sua
fragilità

Fratelli


*

A NOITE BELA
Devetachi, 24 de agosto de 1916


Que canto levantou-se esta noite
que entretece
com o cristalino eco do coração
as estrelas

Que festa vernal
de coração em núpcias

Fui
um charco de trevas

Hoje mordo
como uma criança a teta
o espaço

Hoje estou bêbado
de universo


LA NOTTE BELLA
Devetachi il 24 agosto 1916

Quale canto s'è levato stanotte
che intesse
di cristallina eco del cuore
le stelle

Quale festa sorgiva
di cuore a nozze

Sono stato
uno stagno di buio

Ora mordo
Come un bambino la mammella
lo spazio

Ora sono ubriaco
d'universo


*

CAMPO
Villa di Garda, abril de 1918


A terra
se cobriu
de tenra
leveza

Como uma esposa
nova
oferece
atônita
ao filho
o pudor
sorridente
de mãe


PRATO
Villa di Garda aprile 1918

La terra
s'è velata
di tenera
leggerezza

Come una sposa
novella
offre
allibita
alla sua creatura
il pudore
sorridente
di madre

 

*

SAN MARTINO DEL CARSO
Valloncello dell'Albero Isolato, 27 de agosto de 1916

Destas casas
nada sobrou
senão alguns
pedaços de muro

De quantos
me foram próximos
nada sobrou
nem tanto

No coração porém
nenhuma cruz me falta

É o meu coração
a região mais destroçada


SAN MARTINO DEL CARSO
Valloncello dell'Albero Isolato il 27 agosto 1916

Di queste case
non è rimasto
che qualche
brandello di muro

Di tanti
che mi corrispondevano
non è rimasto
neppure tanto

Ma nel cuore
nessuna croce manca

È il mio cuore
il paese più straziato
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

Giuseppe Ungaretti
In A Alegria
Tradução e notas de
Geraldo Holanda Cavalcanti
Editora Record, Rio de Janeiro, 2003