Washington Queiroz
Caros amigos,
Nascido em Feira de Santana-BA, em 1954, Washington Queiroz é poeta, antropólogo
e professor universitário. Participou de diversas coletâneas de poesia e tem em
seu currículo o crédito de ter sido um dos fundadores da revista Hera, de
Feira de Santana.
A Hera, conforme já tivemos o prazer de divulgar neste espaço (veja
poesia.net n. 35), é
talvez a revista literária de maior longevidade na história brasileira. Criada
em 1972, segue até hoje divulgando gerações sucessivas de poetas baianos.
Os poemas selecionados ao lado pertencem ao terceiro livro de Queiroz, A
Dança dos Véus: Fantasia e Fuga, editado em 2004. De cara, é possível
identificar nas imagens trabalhadas pelo poeta o influxo de sua experiência
antropológica. Ela parece presente nos três poemas ao lado, notadamente nos dois
primeiros.
Para Rita Olivieri-Godet, da Université Rennes 2, França, um dos eixos da poesia
de Washington Queiroz é "o desejo de penetrar no ser da palavra buscando a
complexa (e impossível mas sempre desejada) correspondência entre a concretude
do real e o seu abstrato significado (...)".
De fato, é possível perceber nos versos do poeta essa busca do que está por trás
de objetos muito concretos como águas, folhas, setas, animais: "Boto, peixe-boi
/ lendas a esconderem-se do limbo das palavras". E tudo vai desaguar num outro
lado, na subjetividade do sujeito poético, entre "saudade e desesperança".
Nessa intervenção do subjetivo o poeta Ruy Espinheira Filho vê e ressalta na
obra de Queiroz "um lirismo duramente confessional, que se desdobra em instantes
de surpreendente
provocação filosófica." Sem dúvida, há um certo estoicismo lírico, quando o
poeta opõe seu coração à grandeza do mar. O coração — "latejante alvo que
em golpes vermelhos / soluça no que há de maior afeto entre espuma e areia."
Um grande abraço,
Carlos Machado
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Entre espuma e areia
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Washington Queiroz |
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AS PALAVRAS
É preciso apanhá-las
quando orvalho e metal
explodem da glande
sob as vistas de sagitário.
É preciso.
Antes que um réptil afoito
roce a folha
e a gota caia,
é preciso apanhá-las.
Para o sono dos que dormem
com a terra,
é preciso.
O PUCURUÍ
Aos índios Parakanã
Água:
Água:
Água: ultramarino lince/horizonte:
corcéis bebendo o néctar;
araras ecoando fontes.
o mito das águas fundas.
Perdidas auroras:
Náiade do sem fim. Perdido peixe-
boi, vário passar ao longe.
Vênus despertada.
Órion constelada.
Bêbados — abissais ângulos da madrugada — amores fenecidos.
(Como doer na madrugada dos pardais?)
Boto, peixe-boi
lendas a esconderem-se do limbo das palavras
no istmo do próprio organismo,
a inebriar-se de ti.
Em mim: saudade
e desesperança.
ONDE APANHAR O MAIS
PROFUNDO DO MAR
Onde o mais profundo do mar?
Na espuma do seu rosto,
no sal, em lágrimas, em órion,
está o mais profundo, a face,
a faca descendo
lenta: a manhã.
Não nos seixos submersos
que guardam as ranhuras do osso
mas na epiderme que o olhar toca
está a taça — safira e musgo
margem e rio.
Onde se desfaz o mar, em beijo
e areia é que apanho nuas,
luas-espuma, as suas fossas-mistérios.
Onde o mar é mar é só espuma;
toda lágrima, toda face, recriando sempre
em espumas, nosso coração mais duro:
latejante alvo que em golpes vermelhos
soluça no que há de maior afeto entre espuma
[ e areia.
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