Helena Ortiz
Caros,
Nascida em Pelotas-RS, em 1947, Helena Ortiz é jornalista, radicada no
Rio de Janeiro. Poeta e contista, criou e dirigiu, entre 1999 e 2002, o projeto
Panorama da Palavra, uma mostra semanal de poesia. O projeto deu origem a um
jornal mensal homônimo, que tem edição em papel e na internet (www.panoramadapalavra.com.br),
e também à Editora da Palavra, seu braço editorial.
Helena já publicou cinco livros de poesia. Estreou em 1995 com Pedaço de Mim.
Em seguida, vieram Margaridas (1997); Azul e Sem Sapatos (1997);
Em Par (2001); e Sol Sobre o Dilúvio (2005). Destes dois
últimos volumes foram extraídos todos os poemas transcritos ao lado.
Um dos traços centrais da poesia de Helena Ortiz é a marca do dia-a-dia. Os
versos, sem floreios, são curtos e avessos a expansões retóricas. "o fracasso
não admite réplica / nem retórica", avisa o poema "O Último Dia". O leitor
percebe que o texto faz referência a algum fato cotidiano. Mas, na maioria das
vezes, não é capaz de identificar exatamente do que se trata. Talvez essa
indefinição do contexto ajude a tornar o clima dos poemas mais sufocantes. É o
que se nota nos últimos versos de "O Tempo Justo": "um barulho de carroça leva
os mortos / que perderam na calçada seus dobrões / lá se vão. mãos vazias.
corpos vãos".
Em "Condição Humana" está outro exemplo de cotidianidade doída. "visto preto e
meu marido / é vivo", diz a mulher que assume as palavras do poema, traindo uma
convivência familiar dilacerada, doentia. Marido e mulher não se toleram:
"juntos / só colocamos // sal nas feridas". Terrivel.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
NOTA
A poeta Helena Ortiz faleceu em fevereiro de 2019.
•••o•••
POESIA.NET NO MARANHÃO
Leitor deste boletim, o jornalista Zema Ribeiro, que assina a coluna "Diário
Cultural" no jornal Diário da Manhã, de São Luís –
MA, publicou na última quinta-feira, dia 9/2/2006, a seguinte nota a propósito
do poesia.net
n. 150:
Navegar é preciso!
O público leitor de poesia, mundialmente falando, sempre foi pequeno. É fato!
Quase ninguém se interessa. Mas uma bela dica é o site Poesia.Net. Editado por
Carlos Machado, o site tem atualização semanal, sempre às quartas-feiras. Aos
leitores interessados, é possível cadastrar um endereço de e-mail e receber o
boletim. Sem preconceitos, o editor aborda poesia: famosos e desconhecidos,
nacionais e estrangeiros. Na página, é possível encontrar todos os poetas que já
foram alvo das edições. O semanário virtual completou, quarta-feira passada,
cento e cinqüenta edições. Vale(m) a(s) leitura(s)!
Agradeço ao Zema Ribeiro a referência simpática ao
boletim. |
Sal nas feridas
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Helena Ortiz |
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O ÚLTIMO DIA
o desejo do rei: a visão dos píncaros
ouvir cantar o pássaro da glória
mas agora
onde estarão todos pergunta o silêncio
nos corredores do palácio
ninguém virá para dizer: acabou
o fracasso não admite réplica
nem retórica pensa o rei enquanto
tira as calças e repara
no espelho
que a vaidade é infiel
e a glória
muito mais
que um par de pernas claudicantes
ANTE-SALA
a noite passa lenta e fluorescente
purgam feridas
sobre a cama metálica
equipada para gestos mínimos
o corpo é vasto para delírios
e flutua inflado
pelos limites do quarto
onde se esgota
úmido
cada vez mais longe
da porta
O TEMPO JUSTO
os remédios alerta na gaveta
o relógio ainda é o de parede
ruído solitário a ruminar
o ronco é o gemido da carne
a vida vacila e volta
trazendo vultos no pico da febre
um barulho de carroça leva os mortos
que perderam na calçada seus dobrões
lá se vão. mãos vazias. corpos vãos
6 DE MAIO
estávamos felizes em pleno domingo
a certeza próxima do outro
comida no fogo roupa
já passada
casa nem tão limpa
sapatos num canto
projetos alinhavados
a notícia chegou pelo telefone
apagou o fogo
separou nossos sapatos
notícia maior que a vida
DILÚVIO
as águas cobrem as ruas
arrastando tudo
do outro lado junto ao muro
minha mãe. só os olhos
pedem que a recolha
tenho força de mil cavalos
e aquela flor
contra a corrente
tomo minha mãe nos braços
ela se encolhe
aqueço-a em meu colo
e devolvo-lhe o leite
CONDIÇÃO HUMANA
visto preto e meu marido
é vivo
sou seu lençol
mãe de seu filho ausente
lavo seus colarinhos
não dormimos juntos
juntos
só colocamos
sal nas feridas
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