André Dick
Caros amigos,
Nascido em Porto Alegre em 1976, André Dick é poeta e ensaísta. Estreou em 2002
com o livro de poemas Grafias. Dois anos depois, publicou Papéis de
Parede, volume destacado como "referência especial" no Prêmio Cidade de Juiz
de Fora - 2003. André Dick também organizou, em parceria com Fabiano Calixto, o
livro A Linha Que Nunca Termina (Lamparina Editora, 2004), uma coletânea
de ensaios sobre o trabalho de Paulo
Leminski.
Para o também poeta e ensaísta Ronald Polito, a criação poética de André Dick,
em Grafias, tem traços que a aproximam do trabalho de Tarso de Melo (poesia.net
n. 31). É verdade. Mas, na minha opinião, o parentesco dos versos desse
jovem gaúcho é maior ainda com o estilo enxuto de Virna Teixeira (poesia.net
142). Ronald Polito escreve: "André Dick destila uma experiência
microscópica, quase cotidiana, com os pequenos elementos de seu entorno, como
que numa anotação intermitente, a modo de diário, de suas diminutas vivências
com as coisas e consigo mesmo".
Descontada, talvez, a referência à anotação intermitente, o
mesmo trecho poderia ser dito a respeito da poesia de Virna. A concisão é um
ponto comum no modus dicendi dos dois poetas, especialmente no André Dick
de Grafias. É o caso, por exemplo, de poemas como "Num Quadro de Edward
Hopper" ou "Manhã", os dois primeiros da seleção ao lado.
Em Papéis de Parede, o segundo livro, as semelhanças são menores. Nele,
como se pode ler no poema "Composição do Objeto", as frases são mais
discursivas, embora, no conjunto dos poemas, se mantenha certa visualização
fragmentária. Aliás, sintomaticamente, "Fragmentos" é o título de um dos poemas
do livro.
Um abraço,
Carlos Machado
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Fragmentos do cotidiano
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André Dick |
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NUM QUADRO DE EDWARD HOPPER
a vida destrói
um sol
quase esquecido
numa tela
de hopper:
o posto de gasolina
abandonado,
onde um senhor,
talvez o dono,
em seu ócio,
rega a grama
com sua bomba
de petróleo.
MANHÃ
quando chega
a manhã,
o lago
também reflete
estantes
(a palavra clara
dentro do seu nome),
como se vidros
sentissem saudade
depois que passa
a paisagem
SOMBRAS
possivelmente
sombras se esquecem
da luz:
curva rente ao rio,
as luzes acesas
do edifício
—
através dele
o sol quase
deságua lento
no fim da tarde
ALGUMA PALAVRA
alguma palavra,
fragmento, saudade,
cheiro que,
quando a porta
se fecha, apenas
deixa de sê-lo,
a não ser
—
enquanto existe
—
costuma durar,
ficando, às vezes,
na roupa, no cabelo,
na manga da camisa
como cheiro de cigarro
sem a pretensão
de existir.
COMPOSIÇÃO DO OBJETO
ao se aproximar do objeto,
o olhar o desconstrói
e passa a fazer parte
(quase um anexo dele)
em sua distância
na hora de se despedir
(a despedida nunca é igual),
apenas se desprende
do avanço feito
para dentro da cerâmica
isolada de atenção
o mesmo gesto então sugere
(com a calma de um aroma)
uma lenta e discursiva
corrente de proximidade,
como de fato ocorre
pro desgaste e pressa
do choque que existe
desta simples vontade
em fazer parte do gesto
que a desenha antes
de sedimentá-la
ou fazê-la desaparecer
parece buscar
não a corrente de ar
mas a espinha dorsal
do gesto que retoma
as mãos solitárias
que podem lhe dar espaço
a forma imprecisa
de uma matéria nova
moldada com barro e água
sem que os olhos
precisem definir a mistura
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