Cyro de Mattos
Caros amigos,
Nascido em Itabuna, na zona cacaueira da Bahia, o poeta Cyro de Mattos (1939-)
tem-se dedicado à tarefa de converter em versos a observação de pessoas,
lugares e histórias de sua região, a mesma que já produziu escritores como o
poeta Sosígenes Costa e os prosadores Jorge Amado e Adonias Filho. Sua poesia
portanto traz a marca e a memória das "terras do sem fim".
Jornalista, Cyro de Mattos trabalhou na imprensa
diária carioca e colaborou com diversas publicações literárias. Entre livros de
crônicas, contos e poesia, já publicou mais de 20 títulos. Os poemas ao lado
foram extraídos dos livros Cancioneiro do Cacau (2002) e
Vinte Poemas do Rio (1985).
Na pequena seleta ao lado, vão transcritos quatro textos de Cyro de Mattos. No
primeiro, "Embarque", é o próprio cacau, personificado, quem fala. Em seguida,
vem "Alfaiate", o conciso perfil de um desses velhos artífices do interior que,
em seu ofício, vestem a vida e a morte. Por fim, em "Preguiça" e "Anotações
Sobre o Rio", estão representados um pouco da fauna e da geografia da região.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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ALBERTO CAEIRO GUARDA REBANHOS NA INTERNET
A Biblioteca Nacional portuguesa (www.bn.pt)
vai criar na internet um espaço para a consulta de todo o espólio do poeta
Fernando Pessoa. Para começar, já estão disponíveis, desde fevereiro, os
escritos de Alberto Caeiro, o primeiro heterônimo, e — segundo Pessoa — o mestre
dos outros e dele mesmo. O visitante pode ler, em imagens fac-similares, as
páginas em que Caeiro-Pessoa escreveu os textos da série O Guardador de
Rebanhos e outros como O Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos.
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Para ver o caderno em que Caeiro reuniu os poemas de O Guardador de Rebanhos,
visite a biblioteca,
neste endereço.
O índice geral dos escritos caeirianos está em:
http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/index.html
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Nas terras do sem fim
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Cyro de Mattos |
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EMBARQUE
O que deixo:
verde solidão
da raiz ao cabelo.
O que deixo:
vértebras do tempo,
desigual fermento.
O que deixo:
bala no verão,
cobra no inverno.
O que deixo:
gemido e agulha
ensacando ventos.
O que levo:
frutos de ouro
romaria e desterro.
O que levo:
sonhos e erros
do horizonte maciço.
Da árvore e seu resumo
os vícios do mundo
medos e sonhos
no velho pensamento.
ALFAIATE
Pijaminha.
Calção.
Calça curta.
Farda.
Calça comprida.
Paletó.
Terno preto.
Nas mãos
caprichosas
o tempo
paciente
sempre
costurava
suas medidas
exatas.
PREGUIÇA
Nasce,
Come,
Dorme.
Cresce,
Come,
Dorme.
Cria,
Come,
Dorme.
Na mesma
Árvore
Pende
E morre.
De Cancioneiro do Cacau, 2002
ANOTAÇÕES SOBRE O RIO
O eterno passa
linha e curva
o sono das águas
uma só manhã
bugre e ave
o baile das águas
o lombo escorre
o grito e a flecha
a mancha nas águas
cantiga à margem
terra e nuvem
a dádiva nas águas
repetido réptil
fundamento e escama
o azul nas águas
residência última
o sonho e o mar
na deságua
tão ser tão pedra tão água
De Vinte Poemas do Rio, 1985
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