Número 155 - Ano 4

São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 2006

«Ilumino-me / de imenso» (Giuseppe Ungaretti)
 


Cyro de Mattos


Caros amigos,

Nascido em Itabuna, na zona cacaueira da Bahia, o poeta Cyro de Mattos (1939-) tem-se dedicado à tarefa de converter em versos a observação de  pessoas, lugares e histórias de sua região, a mesma que já produziu escritores como o poeta Sosígenes Costa e os prosadores Jorge Amado e Adonias Filho. Sua poesia portanto traz a marca e a memória das "terras do sem fim".

Jornalista, Cyro de Mattos trabalhou na imprensa diária carioca e colaborou com diversas publicações literárias. Entre livros de crônicas, contos e poesia, já publicou mais de 20 títulos. Os poemas ao lado foram extraídos dos livros Cancioneiro do Cacau (2002) e Vinte Poemas do Rio (1985).

Na pequena seleta ao lado, vão transcritos quatro textos de Cyro de Mattos. No primeiro, "Embarque", é o próprio cacau, personificado, quem fala. Em seguida, vem "Alfaiate", o conciso perfil de um desses velhos artífices do interior que, em seu ofício, vestem a vida e a morte. Por fim, em "Preguiça" e "Anotações Sobre o Rio", estão representados um pouco da fauna e da geografia da região.

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado



 

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ALBERTO CAEIRO GUARDA REBANHOS NA INTERNET

A Biblioteca Nacional portuguesa (www.bn.pt) vai criar na internet um espaço para a consulta de todo o espólio do poeta Fernando Pessoa. Para começar, já estão disponíveis, desde fevereiro, os escritos de Alberto Caeiro, o primeiro heterônimo, e — segundo Pessoa — o mestre dos outros e dele mesmo. O visitante pode ler, em imagens fac-similares, as páginas em que Caeiro-Pessoa escreveu os textos da série O Guardador de Rebanhos e outros como O Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos.

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.


Para ver o caderno em que Caeiro reuniu os poemas de O Guardador de Rebanhos, visite a biblioteca, neste endereço.
O índice geral dos escritos caeirianos está em:  http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/index.html
 

Nas terras do sem fim

Cyro de Mattos

 



EMBARQUE

O que deixo:
verde solidão
da raiz ao cabelo.

O que deixo:
vértebras do tempo,
desigual fermento.

O que deixo:
bala no verão,
cobra no inverno.

O que deixo:
gemido e agulha
ensacando ventos.

O que levo:
frutos de ouro
romaria e desterro.

O que levo:
sonhos e erros
do horizonte maciço.

Da árvore e seu resumo
os vícios do mundo
medos e sonhos

no velho pensamento.



ALFAIATE

Pijaminha.
Calção.
Calça curta.
Farda.
Calça comprida.
Paletó.
Terno preto.

Nas mãos
caprichosas
o tempo
paciente
sempre
costurava
suas medidas
exatas.



PREGUIÇA

Nasce,
Come,
Dorme.

Cresce,
Come,
Dorme.

Cria,
Come,
Dorme.

Na mesma
Árvore
Pende
E morre.

                    De Cancioneiro do Cacau, 2002

 

ANOTAÇÕES SOBRE O RIO

O eterno passa
linha e curva
o sono das águas

uma só manhã
bugre e ave
o baile das águas

o lombo escorre
o grito e a flecha
a mancha nas águas

cantiga à margem
terra e nuvem
a dádiva nas águas

repetido réptil
fundamento e escama
o azul nas águas

residência última
o sonho e o mar
na deságua

tão ser tão pedra tão água

                    De Vinte Poemas do Rio, 1985
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2006

Cyro de Mattos
• "Embarque", "Alfaiate", "Preguiça"
   In Cancioneiro do Cacau
   Ediouro, Rio de Janeiro, 2002
• "Anotações Sobre o Rio"
   In Vinte Poemas do Rio
   Palimage Editores, Braga - Portugal, 2005