Antônio Mariano
Caros amigos,
O poeta desta semana é o paraibano Antônio Mariano (1964-). Nascido em João
Pessoa, onde vive, publicou até agora três volumes de poesia: O Gozo Insólito
(1991), Te Odeio com Doçura (1995) e Guarda-Chuvas Esquecidos
(2005. Além dos poemas reunidos em livros, Mariano tem publicado em revistas e
cadernos literários, como A Cigarra, Et Cetera, Correio das
Artes e
Suplemento Literário de Minas Gerais.
Seu trabalho já recebeu apreciações positivas de críticos como José Paulo Paes,
Nelly Novaes Coelho e Paulo Henriques Britto. Para Nelly Novaes Coelho, o poeta
Antonio Mariano se mostra "visceralmente 'sintonizado' com o lado escuro e real
do cotidiano em que predominam o desvalimento, a ternura sufocada, os
desencontros dolorosos que levam a frustrações profundas".
Os poemas incluídos neste boletim foram extraídos de Guarda-Chuvas Esquecidos,
o livro mais recente do poeta. Esse título, aliás, representa uma amostra de
todo o trabalho de Antônio Mariano, uma vez que reúne poemas novos e também
amostras dos dois livros anteriores, que o autor chama de "resgates". Aqui,
todos os textos são recentes, exceto "História Universal", resgatado de Te
Odeio com Doçura.
Antônio Mariano é um poeta nitidamente afinado pelo diapasão lírico. Isso,
naturalmente, não o impede de, vez por outra, exercitar o ferrão da ironia ou
mesmo de alguma estudada maldade. Em Te Odeio com Doçura há um poema,
"Consolo", em que o eu lírico, frustrado por não poder possuir uma moça linda,
rende-se à "sede / não menos linda / de torcer-lhe o pescoço". Mas o registro
vocal do poeta é essencialmente o da "lágrima nos olhos / e um banquete de
asas", como anuncia o poema "História Universal".
Abraço,
Carlos Machado
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CORPO A CORPO COM A POESIA
Nesta quinta-feira, 6 de abril, realiza-se na Casa das Rosas, em São Paulo (Av.
Paulista, 37, às 19 horas), uma noite de leitura com poetas contemporâneos. É a
segunda edição do projeto Corpo a Corpo com a Poesia. Lá estarão, lendo seus
trabalhos, os poetas Ana Rüsche, Angélica Freitas, Daniela Ramos, Dirceu Villa,
Fabiano Calixto, Luiza Mendes Furia, Marcelo Montenegro, Mateus Novaes e Virna
Teixeira. A entrada é franca.
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Banquete de asas
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Antônio Mariano |
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CONSTRUÇÃO DE MIRAGEM
Para Alfredo Bosi
Vi,
na outra margem
do rio,
uma garça
rindo
pra mim.
Em tempo,
confirmo:
menti.
Entrevi
o que sei dessa imagem
esgarçada
no imaginário,
rindo
de mim.
CENA ABERTA
Vínhamos bêbados,
tinto e seco desejo.
A língua cambaleava
mais que as pernas,
nula fala.
A noite suprimia o diálogo
(palavra sem ação
não vai ao teatro).
Dioniso antecipara
as rubricas derradeiras.
Deixa-se cair
a vazia garrafa.
Luz sobre as mãos decididas,
o ato essencial.
VAZANTE
Toda lágrima é lacre
cingindo um círculo
sem cor.
Mar alto e tempestade
que fingem vínculos
de sal.
Jangada inavegável,
clepsidra atraindo
agosto.
Sofro trancado. Três quartos
de mim destilam,
me arrasam.
HISTÓRIA UNIVERSAL
Nunca soubemos
amar em pleno vôo
como as andorinhas
que no auge do prazer
pairam e se absorvem
no antídoto dos instantes.
Então escolhemos
em vez do coito
(viveiro de constelações),
lágrima nos olhos
e um banquete de asas.
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