Número 165 - Ano 4

São Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 2006

«Os grilos abrem frinchas no silêncio.» (Mario Quintana)
 


Salete Aguiar



Caros amigos,


Alguns poetas — os "gordos", na jocosa classificação do grande Manuel Bandeira, que já citei aqui mais de uma vez — escrevem extensas odes, caudalosos poemas em que o rio de palavras vai provocando verdadeiros aluviões poéticos.

Outros poetas — os "magros" — expressam o que têm a dizer em textos muito curtos. É o caso de João Edison Salete Aguiar, que assina seus trabalhos apenas com os dois sobrenomes. Ele faz uma poesia de poucas palavras. Uma poesia que faz pensar, na qual o silêncio diz tanto quanto o que está escrito.

João Edison Salete Aguiar nasceu em Rosário do Sul RS, em 1949, e reside na Bahia há mais de vinte anos. Publicou os livros Versos Versus Versos (em parceria, 1987) e Seis da Tarde (2005). Este mês, junho de 2006, está sendo lançada sua produção mais recente, o volume Na Cadeira de Meu Pai.

Os poemas ao lado foram extraídos desse último livro e constituem exemplos da extrema concisão verbal de Salete Aguiar, que trabalha com a poesia num registro quase telegráfico. Também se pode estabelecer um paralelo entre seus versos e a técnica minimalista do haikai japonês. Aliás, métrica à parte, o poema "Entardecer" lembra bem o clima dos haikais.

Homem de "cento e dezoito vidas", como afirma no poema "Cinqüentenário", Salete Aguiar sugere. Não diz. Acredita no silêncio e na inteligência do leitor.

Um registro importante: Salete Aguiar é mais um poeta do grupo Hera, de Feira de Santana, do qual três outros autores já aparecerem neste espaço (veja os boletins n. 26, 35 e 144).

Abraço,

Carlos Machado

 

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ERRATA

No boletim anterior, escrevi que o poeta português Herberto Helder estudara na Faculdade de Letras de Lisboa. O correto é Faculdade de Letras de Coimbra. Agradeço ao leitor Rui Mendes, de Coimbra, a correção.
 

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poesia.net em números

Recentemente, publiquei neste espaço alguns números sobre o site Ave, Palavra / Alguma Poesia, que abriga o boletim poesia.net. Vão aqui alguns dados qualitativos referentes ao mês de maio (até o dia 29). A média agora são 433 visitantes por dia, sendo 71% do Brasil e 4% de Portugal.

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Os mais procurados
Foram feitas 6061 buscas no período. Eis os autores mais procurados:

1. Carlos Drummond de Andrade
2. Mario Quintana
3. José Paulo Paes
4. Orides Fontela
5. Cervantes (Dom Quixote)
6. Jorge de Lima

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Páginas visitadas
As páginas mais vistas em maio foram as dos autores:

1. Carlos Drummond de Andrade
2. Mario Quintana
3. Baudelaire
4. Sophia de Mello Breyner
5. João Cabral de Melo Neto
6. Cervantes (Dom Quixote)
 

Exercício de telegrafia

Salete Aguiar

 



ENTARDECER

Vênus festeja
Vésper servida
em lúdica bandeja.

 


 

PÊNDULO

Pois tudo é vão
e nada é vão.

                     Depende.




FARSA

Eu sei
que sei
mas sou dissimulado.


 


ÁLBUNS

Conglomerados
de traumas.

Avós no comando.

 


DIAMANTE DE DOIS GUMES

A dor que me lapida
é a dor que embrutece

 



MEDO

Na solidão
não há perigo,
eu sei,

mas como me isolar
de meus demônios?
 



CINQÜENTENÁRIO

Hoje contei
cento e dezoito vidas diferentes,
todas possíveis em meu mesmo corpo.
Todas vivi um pouco ou quase nada,
e o que sobrou foi essa miscelânea
de indecisões e dúvidas crescentes.

 


TARDE

Velhas vagueiam
nas sombras
brancas de talco
e lembranças.
Nas telas mambembes
medram
crenças de outros
contornos.
O forno aceso
amornece

sedimentando a memória.
 



FOTOGRAFIA

Não!
Não sou eu neste retrato, amigo.
Esta é a imagem de um outro,
morto
há muito.

 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2006

Salete Aguiar
In Na Cadeira de Meu Pai
Sec. Cultura-BA/FCEB, Salvador, 2006