«Nada se edifica sobre a
pedra, tudo sobre a areia. Mas nosso dever é edificar como se a areia fosse
pedra.» (Borges)
Ascenso Ferreira
Caros,
O modernista pernambucano Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira nasceu em Palmares-PE,
em 1895. Começou a colaborar em jornais e a publicar os primeiros versos ainda em
Palmares, no ano de 1912. Em 1922, passou a escrever para jornais recifenses e,
seis anos depois, conheceu Mário de Andrade e, logo em seguida, outros intelectuais
paulistas, como Cassiano Ricardo, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.
Catimbó, o
livro de estréia de Ascenso Ferreira, data de 1927. Saiu com ilustrações
do também poeta Joaquim Cardozo. Nesse mesmo ano, Manuel Bandeira vai a Recife e
estreita contato com Ascenso. Suas obras poéticas seguintes são Cana Caiana
(1939); Poemas 1922/1951 (1951); Catimbó e Outros Poemas (1963);
Poemas: Catimbó, Cana Caiana e Xenhenhém (1981); e Eu Voltarei ao Sol
da Primavera (1985). Ascenso Ferreira morreu em 1965, às vésperas de
completar 70 anos.
Modernista de primeira hora, o poeta palmarino alinha-se entre os escritores que
empreenderam, sob a bandeira da Semana de 22, a descoberta do Brasil. A poesia
de Ascenso Ferreiro é marcada pela presença de personagens do povo, costumes e
festas populares.
Sobre o trabalho de Ascenso escreveu Manuel Bandeira: "Os poemas de Ascenso são
verdadeiras rapsódias do Nordeste, nas quais se espelha amoravelmente a alma ora
brincalhona, ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos e do
sertão. Ascenso identificou-se de corpo e coração com o homem do povo de sua
terra (...)" (In Ascenso Ferreira, Poemas, 1951)
A poesia de Ascenso também ganhou espaço na música popular. "Trem de Alagoas"
foi musicado por Heitor Villa-Lobos. A cantora e compositora paulista
Inezita
Barroso também agregou uma melodia a esse texto.
Conterrâneo de Ascenso, o cantor Alceu Valença adaptou esse mesmo poema, em
1975, na composição "Vou Danado pra Catende". Essa música encontra-se em vários
discos do compositor, entre os quais a coletânea Novo Millennium, de
2005. Outro poema musicado por Valença foi "Maracatu", cujos versos, à simples
leitura, trazem à mente o ritmo afro-brasileiro que lhe dá nome. A música saiu
originalmente no LP Cavalo de Pau, de 1982. (Veja as versões de Alceu
Valença nos clipes do YouTube, ao lado.)
O terceiro poema reproduzido ao lado é certamente o mais conhecido do poeta.
Trata-se do macunaímico "Filosofia", que muita gente pelo Brasil repete sem ter
a menor idéia de quem o escreveu.
Assim como os outros dois, é um texto bem ao
estilo da poesia proposta pelos modernistas de 1922.
Um fato curioso sobre Ascenso
Ferreira. O nome original do poeta era Aníbal Torres. Mas, aos 22 anos de idade,
ele decidiu mudar o nome para Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira, tomando
o "Carneiro" do pai (Antonio Carneiro Torres) e da mãe (Maria Luiza Gonçalves
Ferreira) os outros dois sobrenomes.
Ascenso era o nome do avô materno. Apenas a título de curiosidade, fiz uma pesquisa
nas principais livrarias do país e não encontrei nenhum livro de Ascenso
Ferreira. Lamentável.
Um
presente para vocês. Para ouvir o poeta Ascenso Ferreira lendo o poema "Trem de
Alagoas",
clique aqui, ou no alto-falante ao lado. O audioclipe foi extraído do
livro/CD
Voz Poética, que reúne poetas pernambucanos como Ascenso Ferreira, João
Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira lendo poemas. (Voz Poética. Cia.
Editora de Pernambuco / Universidade Federal de Pernambuco. Organização: Paulo
Bruscky. Recife, 1997. A gravação original de Ascenso Ferreira é de 1958.)
É interessante também reler o poema "Trem de Ferro", de Manuel Bandeira,
publicado em 1936 no volume Estrela da Manhã. Assim como o "Trem de
Alagoas", "Trem de Ferro" foi musicado por vários compositores, inclusive
Antonio Carlos Jobim. Confira o CD Antonio Brasileiro, de Jobim (Sony
Music, 1995).
[Os dois parágrafos acima foram adicionados após a circulação do boletim.]
Cana caiana
Ascenso Ferreira
FILOSOFIA
A José Pereira de Araújo
– "Doutorzinho de Escada"
Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!
Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!
Alceu Valença, "Vou danado pra Catende",
música em que
utiliza versos de "Trem de Alagoas", de Ascenso Ferreira
TREM DE ALAGOAS
O sino bate,
o condutor apita o apito,
Solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar…
— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Mergulham mocambos,
nos mangues molhados,
moleques, mulatos,
vêm vê-lo passar.
— Adeus!
— Adeus!
Mangueiras, coqueiros,
cajueiros em flor,
cajueiros com frutos
já bons de chupar...
— Adeus morena do cabelo
cacheado!
Mangabas maduras,
mamões amarelos,
mamões amarelos,
que amostram molengos
as mamas macias
pra a gente mamar
— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:
— Ali dorme o
Pai-da-Mata!
— Ali é a casa das
caiporas!
— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Meu Deus! Já deixamos
a praia tão longe…
No entanto avistamos
bem perto outro mar...
Danou-se! Se move,
se arqueia, faz onda...
Que nada! É um partido
já bom de cortar...
— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Cana caiana,
cana roxa,
cana fita,
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar...
— Adeus morena do cabelo cacheado!
— Ali dorme o
Pai-da-Mata!
— Ali é a casa das
caiporas!
— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Alceu Valença, "Maracatu", poema de Ascenso Ferreira
MARACATU
Zabumba de bombos,
Estouro de bombas,
Batuques de ingonos,
Cantigas de banzo,
Rangir de ganzás...
— Luanda, Luanda, onde
estás?
Luanda, Luanda, onde
estás?
As luas crescentes
De espelhos luzentes,
Colares e pentes,
Queixares e dentes
De maracajás...
— Luanda, Luanda, onde
estás?
Luanda, Luanda, onde
estás?
A balsa do rio
Cai no corrupio
Faz passo macio,
Mas toma desvio
Que nunca sonhou...
— Luanda, Luanda, onde
estou?
Luanda, Luanda, onde
estou?