Ronaldo Monte
Caros amigos,
Professor de psicologia e psicanalista por profissão e escritor por devoção, o
poeta e contista Ronaldo Monte de Almeida é um cidadão de amplos nordestes.
Nasceu em Maceió, Alagoas, em 1947. Aos onze anos, como diz, "foi aprender a
viver no Recife". Desde 1978, mora em João Pessoa, tornando-se um paraibano "por
opção e por tempo de serviço".
Ronaldo Monte estreou na poesia em 1983, com o livro Pelo Canto dos Olhos.
Dezessete anos depois, publicou Tecelagem Noturna, volume que também
inclui a coletânea de estréia. Entre e um e outro livro de poesia, deu a público
livros de contos e crônicas (o autor mantém uma coluna semanal no jornal
Correio da Paraíba). Em 2004, publicou também o livro World Trade Center,
um poema longo escrito em parceria com o poeta e compositor paraibano Pedro
Osmar. Este mês, junho de 2006, saiu novo título de ficção de Ronaldo Monte: o
romance Memória do Fogo (Editora Objetiva).
A poesia de Ronaldo Monte é, eminentemente, uma tecelagem lírica. Nela se
encontram morte e vida imbricadas puxando os fios da vida ("Tecelagem Noturna").
Sabedor de que as coisas não têm a nitidez proposta nos contos de fadas, o poeta
se prepara para exercícios inglórios: "Aprende a ver sem esforço / o que a névoa
quer te mostrar" ("Serenando"). O que será essa revelação escondida no meio da
névoa? Ora, o poeta é homem de perguntas, não de respostas. É por isso que ele
diz, no poema "Giordano Bruno", como quem fala a todos e a si mesmo: " Fica-te
assim / impura substância / mescla de espelhos / de sombra / de enigma".
"Sombra" é talvez uma das palavras preferidas do poeta. Melancolicamente, ele
constata em "Lições da Tarde": "Com a tarde nova / aprendo que tenho sombra".
Em "Falésia", o poeta se lança num jogo geográfico-sensual no qual a língua do
mar "lambe de alto a baixo as longas costas". O poema "Sem Roca nem Fuso"
parte de um velho ditado popular e segue, como cantador de improviso, ao sabor
das rimas que aparecem. No final, ele conclui, entre jocoso e sério, que um dia
as rimas se acabam e que as coisas, antes tidas como certas, não são exatamente
assim...
Mesmo quando despoja o verso de música, Ronaldo Monte ainda permanece no
diapasão lírico. O poema "Lugares Comuns" é um exemplo disso. É apenas um rol de
lugares que são símbolos de massacres e das brutais injustiças do cotidiano
brasileiro. Lugares-comuns, sinais de um "mundo onde o diabo campeia". Carregado
de um mal-estar sufocante, esse poema cala fundo em nós porque essa lista de
horrores já existe em nossas mentes.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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ASCENSO FERREIRA
Recebi expressiva quantidade de e-mails a propósito do boletim anterior,
dedicado ao poeta
Ascenso Ferreira. Boa parte das
mensagens era de pessoas que tiveram a oportunidade de ler e cantar na escola
poemas de Ascenso — especialmente o "Trem de Alagoas", um texto que é música,
nasceu para a música. Fico feliz em saber que, mesmo com tudo contra, um poeta
como Ascenso Ferreira, com seus textos entranhados de brasilidade popular, ainda
emociona leitores e ouvintes.
Entre as mensagens sobre Ascenso Ferreira, uma me chamou a atenção em especial.
Veio de um leitor residente em Tomar, Portugal (segundo vi no mapa, uma
localidade perto de Fátima). Escreve ele: "Foi com fascínio que descobri Ascenso
Ferreira. E, além do prazer
daquele ritmo bem tropical, encontrei uma preciosidade: o poema "Filosofia".
Isto por se tratar de um texto que desde criança ouço ao meu pai (e que voltei a
ouvir mais recentemente desde que a minha filha nasceu e foi crescendo
felizmente muito perto dos avós). Não fazia ideia da origem, mas não suspeitava
que fosse um poema. Tem algumas variações ("hora de trabalhar, barriga para o
ar"), mas é claramente este texto. Ouvido desde há mais de trinta anos em
Portugal."
O remetente do e-mail é Nuno Garcia Lopes, poeta, autor de ficção infantil e
coordenador do grupo de poesia e teatro O Contador de Histórias.
Clique aqui
para visitar o site do grupo.
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Espelhos e enigmas
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Ronaldo Monte |
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TECELAGEM NOTURNA
De tua vida por um fio
a morte tece seus panos.
Dia-a-dia, zig-zag,
cresce no chão o novelo
que a sinistra tecelã
virá de noite roubar.
Pé-ante-pé, plec-plec
(a morte usa chinelos),
leva teus fios vividos
pra de noite, tlec-tlec,
alimentar seu tear,
mesclando teu tempo inútil
com o enfado do teu trabalho
num só tecido inconsútil
do teu último agasalho.
SERENANDO
Deixa cair a noite,
cair sereno
o olhar sem fome
de seda e âmbar.
Aprende a ver sem esforço
o que a névoa quer te mostrar.
Deixa ficar no escuro
o que não queira
virar lembrança.
Deixa a memória
fazer escolhas.
Deixa o tempo brincar de esconder.
Deixa minar a prata,
arcar os ombros,
riscar as rugas,
dançar os nervos.
Testemunhas das carícias do tempo no
[ teu corpo.
Deixa de presente a madrugada
aos novos feixes de luz e voz
que aprenderam contigo a caminhar.
Fica nesta noite que começa
em ondulações de luz e sombra
curiosas de te conhecer.
LUGARES COMUNS
Carandiru
Candelária
Brasília
Caruaru
Eldorado dos Carajás
Favela Naval
Vigário Geral
Cidade de Deus
Mundo sem Deus
Onde o diabo campeia.
GIORDANO BRUNO
Não procures de quem és
vestígio
ou quem te faz
de efeito remoto
Pois nenhum corpo
quer ter como
vestes
as que desnudam
ombros e traseiros
Fica-te assim
impura substância
mescla de espelhos
de sombra
de enigma.
LIÇÕES DA TARDE
Com a tarde nova
aprendo que tenho sombra
Com a tarde alta
aprendo a cair em silêncio
Com o fim da tarde
aprendo a ir embora
Com a tarde morta
aprendo a lição do nada.
FALÉSIA
Língua do mar
que lambe de alto a baixo as longas costas
Onda do mar
que come a carne viva das encostas
Barreira e mar
Falo e poesia.
SEM ROCA NEM FUSO
cada roca tem seu fuso
cada terra tem seu uso
cada porca um parafuso
cada claro o seu confuso
cada certo um obtuso
cada festa seu intruso
até que um dia as rimas se acabam
a métrica perde sua função
e as coisas deixam de ser tão certas
como até então deixavam transparecer.
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