Eunice Arruda
Caros,
Nascida em Santa Rita do Passa Quatro (SP), em 1939, Eunice de Carvalho Arruda é
autora de doze livros de poesia. Estreou em 1960, com o volume É Tempo de
Noite. Três anos depois, publicou Chão Batido e, a partir daí, vem
mantendo apreciável regularidade poética. Seus trabalhos mais recentes são À
Beira, de 1999, e Há Estações, de 2003.
Pós-graduada em semiótica, Eunice participou de numerosas antologias, no Brasil
e no exterior, coordenou projetos de divulgação de poesia, deu palestras e
organizou oficinas literárias.
Em versos breves de poemas quase sempre curtos, Eunice traz sempre um tom de
desencanto em sua observação do mundo e dos mistérios da poesia. Mas esse
desencanto é marcado por uma atitude de quem enfrenta cada palmo do chão em que
precisa pisar. É uma poesia de quem se quer vivo e vívido: "Nunca morrer/
enquanto viver" (Propósito). Ou, então, de quem não desiste diante dos
descaminhos: "Edifiquei minha / casa sobre a / areia // Todo dia recomeço"
(Erro).
Em sua poesia, Eunice Arruda não mente, nem para si mesma nem para o leitor.
Esse traço a poeta parece cultivar desde os primeiros passos. Observe-se, por
exemplo, o poema "Deus e o Domingo", de 1963. Cedo, a escritora deve ter
descoberto que não há soluções milagrosas para as nossas dores. Ela sabe que há,
sim, pequenas felicidades e encantamentos — que, em seu ponto de vista,
são "horas de trégua". Mas esses momentos só ocorrem "quando se afiam / as
facas" (Observando).
Talvez seja exatamente por causa dessa aguda consciência da realidade que a
poeta Eunice Arruda sonha com um poema "livre da gramática e do som das
palavras". Um poema tão livre "que traga em si a decisão / de ser escrito
ou não". Drummond também escreveu que o poema ideal seria aquele que se faz sem
poeta. Como isso é apenas um sonho, continuamos a precisar dos poetas:
Drummonds, Eunices etc.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
FLAP EM DOSE DUPLA
A FLAP — evento alternativo à FLIP, de Parati — realiza-se
pela segunda vez este ano. Em 2005, foi somente em São Paulo. Agora, a FLAP vem
em dose dupla: no Rio e em São Paulo. Os debates, abertos ao público, vão reunir
escritores, jornalistas, críticos, professores, cineastas e educadores. Segundo
os organizadores, jovens ligados ao Projeto Identidade, "o intuito da FLAP é
evitar certa acomodação de opiniões nas mesas de debates, quando todos parecem
concordar com todos (e as discordâncias acabam relegadas ao plano da fofoca)".
Bom sinal.
Eis o resumo:
Rio de Janeiro:
dias 22 e 23 de julho
UniverCidade (Unidade Ipanema)
Av. Epitácio Pessoa, 1664.
São Paulo:
dias 29 e 30 de julho
Espaço dos Satyros I
Pça. Roosevelt, 214, Centro
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Quando se afiam as facas
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Eunice Arruda |
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PROPÓSITO
Viver pouco mas
viver muito
Ser todo o pensamento
Toda a esperança
Toda a alegria
ou angústia — mas ser
Nunca morrer
enquanto viver
OUTRA DÚVIDA
Não sei se é
amor
ou
minha vida que pede
socorro
De
Invenções do Desespero
(1973)
ERRO
Edifiquei minha
casa sobre a
areia
Todo dia recomeço
De As Pessoas, As Palavras (1976)
OBSERVANDO
sim
há
as horas de trégua
Quando se afiam
as facas
UM DIA
um dia eu
morrerei
de sol, de
vida acumulada
na convulsão
das ruas
um dia eu
morrerei e
não
podia:
há poemas
escorregando de meus dedos
e um vinho não
provado
De Os Momentos (1981)
DEUS E O DOMINGO
Eu ia ser feliz
domingo
naquele tempo bastava pouco
Não sabia que no
domingo
é fácil chover
e muito difícil viver
Ah, eu ia ser feliz
Mas
domingo Deus descansa
e a gente sofre mais
De O Chão Batido (1963)
ENGANO
afinal
construímos prédios
casas jardins rosas
desabrocharam
trêmulas, afinal fomos
submissos às ocupações do dia
às estações do ano
à rotação da terra
Pensávamos ser esta a nossa pátria
RISCO
Um poema livre
da gramática, do som
das palavras
livre
de traços
Um poema irmão
de outros poemas
que bebem a correnteza
e brilham
pedras ao sol
Um poema
sem o gosto
de minha boca
livre da marca
de dentes em seu dorso
Um poema nascido
nas esquinas nos muros
com palavras pobres
com palavras podres
e
que de tão livre
traga em si a decisão
de ser escrito ou não
De Risco (1998)
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poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2006
Foto de Juan Esteves |
Eunice Arruda
• "Deus e o Domingo"
In O Chão Batido
São Paulo, 1963
• "Propósito", "Outra Dúvida"
In Invenções do Desespero
Edição da autora, São Paulo, 1973
• "Erro"
In As Pessoas, As Palavras
Editora Letras e Artes, São Paulo, 1976
• "Observando", "Um Dia"
In Os Momentos
Nobel/Sec. Est. da Cultura, São Paulo, 1981
• "Engano", "Risco"
In Risco
Nankin Editorial, São Paulo, 1998
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* Murilo Mendes, "Reflexão n. 1", Poemas, 1930
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