Cristina Garcia Lopes
Caros amigos,
Nascida em Leopoldina (MG), Cristina Garcia Lopes passou a infância em Viçosa e
reside desde 1980 em Juiz de Fora. Nutricionista de profissão, é também
professora universitária nessa área. Cristina tem poemas publicados em jornais e
revistas e trouxe à luz em 2004 seu primeiro livro, O Continente e Outros
Poemas.
Nesse livro de estréia de Cristina Garcia Lopes podem-se identificar duas linhas
de ação poética. De um lado, a poeta desenvolve um discurso social-religioso, no
qual se busca a redenção por meio da partilha. Conforme observa o ensaísta
Fabrício Marques, essa idéia de partilha está presente na própria estrutura do
livro de Cristina.
Nos poemas ao lado, no entanto, preferi destacar textos que revelam a outra
linha de ação. Neles, a poeta assume um diapasão mais pessoal e trata de temas
mais íntimos, como o amor. "Mas nem o ardor suaviza / a letra de carvão / já
impressa", escreve ela em "O Verão". Ou então: "sofisticada maneira de se
partir o silêncio em / dois // talvez seja isso / o que chamem / amor" (de
"Intermédio").
Se nesses poemas nota-se uma tentativa de dizer o amor, flagrá-lo em sua
essência mais profunda, em "O Xadrez", o mesmo amor se mostra em sua natureza
física: "o corpo que se dobra / no ar, ágil / e suntuoso" para celebrar os jogos
amorosos.
Na mesma vertente, em poemas como "Absoluta", "O movimento" e "A margem", a
poeta parece perseguir a definição de sentimentos ou estados d'alma. É o que se
pode depreender de trechos como "essa tempestade / que dorme comigo / que mora
em meu ventre / ansioso / dia após dia" ("Absoluta"); ou "A visão do rio / corre
em si mesma / quando não se tem rio na memória" (em "A Margem").
Um grande abraço,
Carlos Machado
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MALDITOS EM BH
Esta é uma dica para o pessoal de Belo Horizonte. O poeta Claudio Willer vai
ministrar o curso "Poetas Malditos: Rebelião, Transgressão e Poesia", no período
de 25 a 27 de agosto, no Instituto Moreira Salles, na capital mineira. O curso
versa sobre autores como Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, no século XIX, e Antonin
Artaud, Allen Ginsberg e William Burroughs, no século XX, além de nomes
contemporâneos. O Instituto Moreira Salles fica na Av. Afonso Pena, 737, no
centro de BH (www.ims.com.br). |
Silêncio partido em dois
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Cristina Garcia Lopes |
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O VERÃO
fosse o amor assim,
indolor
veia externa
dias de sol
mas nem o ardor suaviza
a letra de carvão
já impressa
uma fração de vislumbre
a outra, ordinária
o amor,
leveza inútil.
INTERMÉDIO
tarde de chuva
um samba no piano
um samba?
é, são esses acordes complicados
uma pauta inverossímil
a síncope
a descompostura:
sofisticada maneira de se partir o silêncio em dois
talvez seja isso
o que chamam
amor
O XADREZ
o corpo que se dobra
no ar, ágil
e suntuoso
branco e preto:
a pele e o cabelo
sobre o cinza invisível
dos ossos
para a destreza
houve convergência
de todas as partes
se fosse assim dividido:
o olhar doído
a mão indefesa
o corpo que se dobra
frágil
aos jogos do amor
ABSOLUTA
é essa tempestade
que não vem
que se arma oculta
sobre nós
ano após ano
essa tempestade
que dorme comigo
que mora em meu ventre
ansioso
dia após dia
não quer a tempestade
se precipitar de vez
se desatar
no céu
um laço de ferro
sobre a terra
invertida
é essa tempestade
que não vem
O MOVIMENTO
é possível encontrar
uma passagem
entre as águas
mesmo quando é preciso
o silêncio
para iludir os cardumes
na outra margem,
a insolência
de um século voraz
que permanece
após a travessia
A MARGEM
A visão do rio
corre em si mesma
quando não se tem rio na memória
quando de outra margem
a visão de fundo é desmedida
para o raso da lembrança
quando não há nome
para a umidade plena
nascida dentro
sem rio que a sustente.
Basta a visão do rio
que corre em si mesmo
sem arrancar memória.
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