Silvia Chueire
Caros amigos,
A carioca Silvia Chueire é uma poeta marcada pela
era da internet. Psiquiatra de profissão, ela publicava seus poemas no blog
Eugênia in The
Meadow, assinando com o pseudônimo de Eugênia Fortes. Até que um dia alguém
gostou tanto dos textos de Eugênia que os imprimiu e resolveu mostrá-los a um
editor na cidade do Porto, Portugal. Resultado: seu primeiro livro, Por
Favor, Um Blues, saiu em papel, no ano passado, lá do outro lado do
Atlântico, pela Cosmorama, uma pequena editora especializada em poesia. Com
isso, a médica carioca decidiu mostrar sua própria face e seu próprio nome. Hoje
o blog Eugênia in The Meadow ainda existe, mas é assinado por Silvia Chueire.
O que terá visto nos poemas de Silvia a pessoa que os levou ao editor português?
Certamente, esse mensageiro da poesia ficou envolvido com a força lírica de seus
versos amorosos, com a expressão nitidamente feminina de seus textos, com o
olhar sensual que a poeta lança sobre as coisas do mundo. "Cola a tua boca / no
mar que sou / o sal e as ondas // derramadas", diz ela em "Mar".
Na pequena amostra ao lado, reúno poemas do livro português de Silvia (Por
Favor, Um Blues não foi lançado no Brasil) a outros textos cedidos pela
autora ou coletados em seu blog. Antes de encerrar, leio em voz alta estas duas
estrofes musicais, extraídas de "Quereis Muito":
quereis o que não sei
se posso dar.
o segredo do olhar,
o frio que me corta a pele
antes que a palavra
se esfacele e arda
na fina folha
de cada momento.
— como se cada volta da caneta
não fosse hesitação —
Quereis mais?
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
FERNANDO MENDES VIANNA
O poeta e romancista Ronaldo Costa Fernandes, de Brasília, chama-me a atenção
para uma notícia triste da semana passada: faleceu no domingo, dia 10/09, o
poeta Fernando Mendes Vianna. Nascido no Rio em 1933, Vianna vivia em Brasília
desde os primórdios da cidade, em 1961. Escreveu dez livros de poesia própria e
cinco outros de traduções. Entre suas obras estão Marinheiro no Tempo
(1958),
Proclamação do Barro (1964) e Ah, Último Paraíso (1998). |
Por favor, um blues
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Silvia Chueire |
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A PALAVRA
a palavra em ângulo agudo
risco no ar
adaga
a descer sobre o homem
ferida à flor dos olhos.
voz letra
música
a palavra inevitável
II
a palavra a dizer(-se)
de algum lugar
ave a subir nas minhas mãos
a voar delas
MAR
cola a tua boca
no mar que sou
o sal e as ondas
derramadas.
ouves o marulhar
na respiração ritmada
que cresce
e desliza na praia?
às vezes é tudo tão azul
que ofusca
QUEREIS MUITO
quereis a palavra certa
na hora certa.
não apenas o metro correto,
a frase bem feita.
quereis o sangue,
a alma do poeta,
a vida curta a galopar
gargantas
— como se não custasse esforço
fingir que fingimos —
quereis a vida,
a árvore da vida.
não apenas o trajeto reto,
geometria exata.
quereis elipses, parábolas,
o sabor mais íntimo
a perpassar vocábulos.
— como se cada letra
não fosse gota derramada —
quereis o que não sei
se posso dar.
o segredo do olhar,
o frio que me corta a pele
antes que a palavra
se esfacele e arda
na fina folha
de cada momento.
— como se cada volta da caneta
não fosse hesitação —
quereis muito, senhores,
muito.
mais do que pode
a mão que escreve o poema.
mais do que pode
um simples coração.
UM MAR
era um mar desmesurado
demasiado mar
e ondas
e poder
e grito por vir
era a emoção súbita
a revelar ao meu corpo
sua natureza fragilíssima
sua pequena natureza humana
era o mar a crescer-me no peito
vozes do mundo
homens e mulheres no amor
era o mundo líquido
suspenso entre a minha respiração
e o vértice da minha vida
IMAGINA
imagina homens que caem como coisas
a descrever um caminho estranho,
um trajecto helicoidal
— a repetir atos não exatamente iguais —
que apenas encobre a reta inadiável.
imagina a terra que os recebe todos,
a receber as coisas, os homens,
silenciosamente.
e devolver-nos natureza, esplendor,
na sua geografia inexata,
mas eficiente.
um sem-fim de vozes.
NAUFRÁGIO
naufraguei nas tuas costas
ó país dos desalentos.
perdi-me nas tuas águas
a tempestade a varrer-me
o corpo em ascendido movimento
soube assim da crueldade dos gestos
da inutilidade das palavras
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