Fabiano Calixto
Caros amigos,
Nascido em Garanhuns, PE, em 1973, o poeta Fabiano Calixto mora em Santo André,
na área metropolitana de São Paulo. Graduado em letras, ele tem poemas, resenhas
e traduções editados em revistas e jornais literários daqui e do exterior. Em
poesia, estreou em 1998 com o livro Algum. Em seguida, publicou
Fábrica (2000) e Um Mundo Só para Cada Par (2001), este último em
parceria com Kleber Mantovani e
Tarso de Melo. Sua coletânea de poemas mais recente é Música Possível,
lançada este ano.
Segundo Calixto, o livro Fábrica nasceu de sua experiência pessoal como
trabalhador numa indústria mecânica do ABC. Vem desse volume o primeiro poema
transcrito ao lado. Aliás, é o texto que dá título ao livro. O poeta destaca a
estranha química que (não) se estabelece entre o corpo do trabalhador e os
rigores da operação fabril: "o pé inoxidável / retalhando odores". Ou, ainda:
"uma gota de suor / suspensa no óleo / reafirma uma / reação química".
Observe-se a ironia: suor e óleo não se misturam. Portanto, a reação parece
estar aí no sentido de rejeição.
Os poemas seguintes vêm todos da coletânea Música Possível. "Da
Cidade" é o poema de abertura do livro. Na paisagem urbana, o poeta enxerga "um
exagerado estrangulamento de tempo" e uma chuva metafórica que cai sobre "esse
declínio civilizado". Outra visão da cidade é mostrada em "Oratório".
Por fim, em outro momento do volume, ele retorna à terra natal, no poema
"Garanhuns, PE".
Um traço interessante que se pode notar no trabalho de Fabiano Calixto é que,
mesmo com a secura e a contenção perseguidas em cada verso, sempre sobram
frestas por onde vazam incontroláveis gotas de emoção.
Abraço,
Carlos Machado
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Suor suspenso no óleo
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Fabiano Calixto |
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FÁBRICA
eco de canção
(de esguelha)
no protetor
de orelha
o pé inoxidável
retalhando odores
constantes
durante o turno
uma leve sensação
de chumbo cavalga
as vértebras — o
pássaro pousa
num único lembrar
de galho de árvore —
uma gota de suor
suspensa no óleo
reafirma uma
reação química
DA CIDADE
na pior das hipóteses
ainda há uma chuva
que, de vez em quando,
cai sobre esse declínio civilizado.
sobre essas palavras que saem ocas.
sobre essas máquinas.
mas a chuva ainda não é nada.
a chuva atrasa, sempre.
o distúrbio dos espaços em
nosso campo de visão minimizado.
um exagerado estrangulamento de tempo.
essa é a língua. pior: essa é a linguagem.
(ainda hoje,
no estacionamento da faculdade,
as árvores floridas
seqüestraram,
por um momento menos que mínimo,
minha atenção. e nada ficou.
nem uma cor. nem uma brisa.)
ORATÓRIO
meninos jogam
capoeira
em frente ao muro da creche
onde, escrita a tiros,
lê-se a epígrafe destes dias
jogam
capoeira
entre os ramos do berimbau
antes da chuva
como as nuvens
*
os tijolos, as casas a meio,
andaimes, latas de tinta
vazias, pedra, cimento, cal,
criando uma atmosfera
menos rude
naqueles olhos.
*
o terreno baldio
a quadra de futebol de salão
e o bamba
rodando, mão a mão,
na gramática feroz
do desânimo.
no barraco à beira
do córrego fétido,
um velho
com seu carro de ferragens
fuma um resto de cigarro
achado no resto de mundo
que herdou.
*
jogam
capoeira.
*
chove
há mais de uma semana.
GARANHUNS, PE
estás mais próxima do de-cor das rabecas
que dos violinos europeus. (chamam-te
rima. prefiro lágrima).
teu inverno investe em cheiros
inesquecíveis que, feito forjados
a duríssimo metal, jamais perdem
o incomum e erguem
um pórtico de nomes e cores
à entrada da memória.
talvez, na verdade, estejas mais
íntima da penumbra calculada
de um palácio mouro
cujos entalhes, caligrafias e painéis
embaraçam nossos sentidos e, agora,
estamos só joelhos.
estilhaçada estás na garoa fria,
no relógio de flores,
nas águas minerais,
na pupila da minha mãe.
estarei aqui até que a impaciência
arrebente o dique, à concha das mãos,
com o nada de chuva
deste outono predominantemente cinza.
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