Ricardo Lima
Caros,
Nascido em Jardinópolis (SP), em 1966, o poeta e jornalista Ricardo Lima vive em
Campinas, outra cidade paulista. Lima estreou em 1994 com o volume Primeiro
Segundo (Arte Pau-Brasil). Em seguida, lançou Chave de Ferrugem
(Nankin, 1999) e
Cinza Ensolarada (Azougue, 2003). Seu trabalho mais recente é Impuro
Silêncio
(Azougue,
2006).
Desde o primeiro livro, a poética de Ricardo Lima se caracteriza pela dicção
enxuta, na qual as palavras só comparecem na medida do essencial. Aparentemente,
essa tendência à concisão vai-se tornando cada vez mais acentuada com a evolução
do trabalho do poeta.
No primeiro livro, ele ainda diz, com todas as letras: "sei que as coisas têm
forma / em todos os olhos há como aprendê-las". No volume mais recente, a
expressão se torna mais telegráfica. Eis o começo de um dos poemas: "não faltam
pássaros / na solidão // canteiros / zunido de abelha". Desaparece, de alguma
forma, a necessidade de apresentar uma seqüência, uma linha clara de união entre
coisas e idéias.
Os textos mais novos de Ricardo Lima parecem exigir sempre mais do leitor. A
este é legada a tarefa de costurar os nexos, fazer as pontes entre um e outro
verso, entre uma e outra imagem. O esforço deve ser ainda maior porque o poeta
nunca dá títulos aos poemas. Os títulos, como sabemos, muitas vezes fornecem a
chave do texto. É o caso, por exemplo, do sonetilho "Áporo",
de Carlos Drummond de Andrade. Sem o título, o leitor deixaria de ter um ponto
de referência fundamental.
Talvez uma das chaves para a leitura da obra de Ricardo Lima esteja no título de
seu terceiro livro: impuro silêncio. O poeta parece perseguir a extrema economia
de meios, como quem busca a expressão no fundo do (quase) silêncio.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
CORREÇÃO
No boletim anterior, dedicado à poesia do pernambucano Alberto da Cunha Melo,
escrevi que sua obra mais recente é Dois Caminhos e Uma Oração, de 2003.
Na verdade, é O Cão de Olhos Amarelos e Outros Poemas Inéditos (A Girafa,
2006). Agradeço ao próprio autor essa correção. O deslize já foi corrigido no
site. Faço-o agora também para vocês, que recebem o boletim por e-mail. |
Quase silêncio
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Ricardo Lima |
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•
sei que as coisas têm forma
em todos os olhos há como aprendê-las.
sorriso falta,
dezembros são cancelados assim.
nas curtas tônicas da tarde
sei,
há matizes de amor.
e que sujo a unha de roxo
no plano das portas.
•
nunca envolver-se
senão com uvas.
esquecer dublin
espalhar antenas e querubins
abrir
a lata vazia.
o amor
irresponsável:
água e travesseiro.
•
freqüento a manhã
como enfrento pássaros de alucinação
com perda de cílios pela rua
cabeça encharcada de presságios
nuvens rodeando a vítima.
•
resta o caminho não traçado do descuido
e a pele lua dos lábios.
o palito de acender olhos
queima entre dedos e cinzeiro.
roupa suja ainda se usa.
resta a aldeia esgotada do corpo.
De Primeiro Segundo (1994)
•
sem tendência pra tenor
gol de placa
ou verbos na bainha
sem sorriso de fazer nada
nem olhos no infinito
sem coloquial dinheiro e cabelo
sem iogurte e papel
sem prumo
tolerância ou palco
sem tendência
•
tempo de pequenos santuários
vida de algumas fotos
e um sotaque
tudo névoa
casaco
nenhuma proteção
não medo
dei-me
convites goiabas sombras
um par de livros escuros
canto de bar
balcão
De Chave de Ferrugem (1999)
•
parar para fundir
os bilhetes num teclado
reunir cenas coloridas
doces machucados
farelos de pão
com as mãos
refazer trajeto de pássaro entre antenas
de gota da folha ao chão
voltar-se
devagar para os botões
abotoar desabotoar
sem sabor algum
sem fim
De Cinza Ensolarada (2003)
•
não faltam pássaros
na solidão
canteiros
zunido de abelha
criança zanzando com babá
atleta trotando em acrílico
gordo tinindo em pijama
e cachorros
cachorros e
velhos
debatendo o mesmo osso
De Impuro Silêncio (2006)
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poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007
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Ricardo Lima
Poemas extraídos de:
• Primeiro Segundo
Arte Pau-Brasil, São Paulo, 1994
• Chave de Ferrugem
Nankin, São Paulo, 1999
• Cinza Ensolarada
Azougue, Rio de Janeiro, 2003
• Impuro Silêncio
Azougue, Rio de Janeiro, 2006
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* Francisco Carvalho, "O Poder da Palavra",
in Memórias do Espantalho
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