Ivan Junqueira
Caros,
Talvez vocês não conheçam o poeta Ivan Junqueira. Mas se já leram em português
poetas como Charles Baudelaire, T.S. Eliot e Dylan Thomas ou prosadores como
Marguerite Yourcenar, quase com certeza leram Ivan Junqueira. De fato, ele é
mais conhecido pelas traduções do que por seus próprios poemas. Seu nome
certamente figura entre os escritores com maiores serviços prestados na seara da
tradução poética. Destemido, Ivan Junqueira traduziu a poesia completa de
Baudelaire, de Eliot e de Dylan Thomas.
Nascido no Rio de Janeiro em 1934, Junqueira estudou medicina e filosofia,
cursos que não concluiu. Depois, iniciou-se no jornalismo e foi desenvolvendo
habilidades de editor, ensaísta e conferencista. Na poesia, Ivan Junqueira
estreou em 1964, com o livro Os Mortos. Seus seis livros foram publicados
em 1999 no volume Poemas Reunidos. (Record). Outra coletânea de nome
similar, Poesia Reunida, saiu em 2005 pela editora Girafa.
Os poemas da amostra ao lado foram extraídos da primeira
reunião, a de 1999.
Não é preciso muito esforço para identificar em Ivan Junqueira um poeta
neoclássico. Expressando-se quase sempre em versos medidos, rimados ou não, ele
muitas vezes recorre às formas fixas, como os sonetos. De fato, o poeta parece
sentir-se mais à vontade com esses padrões do que com com o verso livre, que é
raro em sua obra.
Outro traço marcante na poesia de Ivan Junqueira é a aproximação com a música. O
poeta não apenas cultiva o ritmo ("É o vento que vem uivando") como faz
referências musicais explícitas. Somente nesses poucos poemas encontram-se três
títulos reveladores: "Três Meditações na Corda Lírica", "Quase uma
Sonata" e "Cinco Movimentos". Nas meditações, observa-se a inescapável
influência de T.S. Eliot, poeta com cuja obra Junqueira deve ter convivido
longos anos em seu esforço tradutório.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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NOTA, EM 09/07/2014
O poeta, tradutor e ensaísta Ivan Junqueira faleceu, aos 79
anos, em 3 de julho de 2014.
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LANÇAMENTOS
Nesta quinta-feira, dois poetas estão lançando livros em São Paulo.
• Carlos Felipe Moisés
Carlos
Felipe Moisés lança Conversa com Fernando Pessoa (Entrevista e Antologia),
que sai pela Editora Ática. Trata-se de um livro didático que apresenta o autor
de Ficções do Interlúdio a estudantes do ensino fundamental e médio.
Data: 24/05/2007, quinta-feira
Hora: 19h00
Local: Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
• Mariana Ianelli
O
livro de
Mariana Ianelli chama-se Almádena e é sua quinta coletânea de poesia.
A editora é a Iluminuras.
Data: 24/05/2007, quinta-feira
Hora: 19h00
Local: Livraria Cultura
Conjunto Nacional
Av. Paulista, 2073
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Meditações na corda lírica
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Ivan Junqueira |
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É O VENTO
É o vento que vem uivando
pelas frinchas do infinito
é o vento que vem gemendo na espinha do plenilúnio é o vento
que vem rolando
como um cascalho de treva
É o vento que vem quebrando as
vidraças do silêncio é o vento que vem abrindo as cicatrizes da
véspera é o vento que vem pulsando nas veias murchas do tempo
É o vento que vem mordendo a carne tenra das nuvens é o
vento que vem regendo
a sinfonia das águas é o vento que vem varrendo a nostalgia
dos túmulos
É o vento que vem trazendo teu sorriso embalsamado é o vento
que vem despindo a salsugem de teus seios é o vento que vem
moldando tua gótica nudez
É o vento que vem brincando de roda com minha infância é o
vento que vem tangendo
meus pensamentos sem rumo é o vento que vem traçando o mapa
de minha face
É o vento que vem roendo o pergaminho das horas que
monótonas gotejam
sobre as escarpas herméticas do abismo turvo insondável que
me separa de mim
RITUAL
Fecho as janelas desta casa
(seus corredores, seus fantasmas sua aérea arquitetura de pássaro)
fecho a insônia que inundava meu quarto debruçado sobre o nada
fecho as cortinas onde a larva do tempo tece agora sua praga fecho
a clara algazarra plácida das vozes sangüíneas da alvorada fecho o
trecho taciturno da tocata a chuva percutindo as teclas do telhado
as sombras navegando pelo pátio
e o bambuzal
Fecho as torneiras da memória
Fecho também a
tumultuosa torrente de vida
que poderia ter rompido o cerco das paredes e feito explodir a
argamassa de calcário e solidão
Fecho ainda as lentas pálpebras da amada o mofo acumulado entre
seus lábios
o limo que vestiu sua carne desolada
Fecho tudo e depois me
fecho
Estou cansado
estou triste
estou só
De Os Mortos (1956-64)
TRÊS MEDITAÇÕES NA
CORDA LÍRICA - I
Only through time time is conquered.
T. S. Eliot, Four Quartets, Burnt Norton, 92
Deixa tombar teu corpo sobre a
terra
e escuta a voz escura das raízes, do limo primitivo, da limalha
fina do que é findo e ainda respira.
O que passou (não tanto
a treva e a cinza que os mortos vestem para rir dos vivos) mais
vivo está que toda essa harmonia de claves e colcheias retorcidas,
mais vivo está porque o escutas limpo, fora do tempo, mas no tempo
audível de teu olvido, partitura antiga, para alaúde e lira
escrita, timbre que vibra sem alívio no vazio, coral de sinos,
música de si mesma esquecida, aquém e além ouvida.
O que passou (à tona,
cicatriz) é dor que nunca dói na superfície, ao nível do
martírio, mas na fibra da dor que só destila sua resina
quando escondida sob o pó das frinchas e que, doída assim tão
funda e esquiva,
é mais que dor ou cicatriz: estigma aberto pela morte de outras
vidas
nas pálpebras cerradas do existido, espessa floração de espinhos
ígneos,
solstício do suplício, dor a pino de te saberes resto de um
menino
que anoiteceu contigo num jardim entre brinquedos e vogais
partidas.
E tudo é apenas isso, esse fluir de vozes quebradiças, ida e
vinda
de ti por tuas veias e teus rios, onde o tempo não cessa, onde o
princípio
de tudo está no fim, e o fim na origem, onde mudança e movimento
filtram
sua alquimia de vigília e ritmo, onde és apenas linfa e
labirinto,
caminho que retorna ao limo, à fina limalha do que é findo e
ainda respira
para depois, o mesmo, erguer-se a ti, ao que serás, porque estás
vivo aqui,
agora e sempre, antes e após de tudo.
Deixa tombar teu corpo
e te acostuma,
húmus, à terra — útero e sepulcro.
De Três Meditações na Corda Lírica (1968)
QUASE UMA SONATA
É música o rigor com que te moves
à fluida superfície do mistério, os pés quase suspensos, a aérea
partitura do corpo, seus acordes. Espaço e tempo são teu solo. E
colhem,
não tanto a luz que entornas, mas o pólen com que ela cinge e
arroja as coisas mortas
além da espessa morte que as enrola. E música o silêncio que te
cobre
quando lampeja à noite tua nudez, em franjas derramada sobre o
leito
das águas, onde as algas te incendeiam porque semelhas, mais que
o mar profundo, o intemporal princípio e fim de tudo.
De Opus Descontínuo (1969-75)
CINCO MOVIMENTOS - I
Que amor é esse que,
desperto, dorme e quando acorda faz-se ambíguo sonho,
transfigurando o belo no medonho e em noite espessa a vida
multiforme? Então amor é só o que suponho, o que não digo por ser
tão informe que fôrma alguma lhe é jamais conforme como este molde
em que teimoso o ponho? Será amor o que se esquiva à fala ou à
linguagem que o pretende claro? E o que seria esse tremor mais raro
que ao aflorar parece que se cala? Amor oblíquo que olha de soslaio,
mas que ilumina e queima como raio...
De Cinco Movimentos (1982)
MORRER
Pois morrer é apenas isto:
cerrar os olhos vazios e esquecer o que foi visto;
é não supor-se infinito, mas antes fáustico e ambíguo,
jogral entre a história e o mito;
é despedir-se em surdina, sem epitáfio melífluo ou
testamento sovina;
é talvez como despir o que em vida não vestia e agora é
inútil vestir;
é nada deixar aqui: memória, pecúlio, estirpe, sequer um
traço de si;
é findar-se como um círio em cuja luz tudo expira sem
êxtase nem martírio.
De O Grifo (1983-86)
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