Nicolás Guillén
Caros,
Este é mais um boletim especial. Foi produzido pelo poeta, contista, tradutor e
letrista de música popular Luiz Roberto Guedes, que já foi tema deste semanário
em sua
edição n. 125. Além de traduzir os poemas, Guedes apresenta o poeta desta
semana — o cubano Nicolás Guillén.
O poesia.net se sente prestigiado em ter outra vez a presença de Luiz
Roberto Guedes. Os poemas ao lado fazem parte de uma antologia de Nicolás
Guillén traduzida, organizada e comentada por Guedes, cujo título é Que Siga
El Son! Também é dele o texto abaixo, apresentando o autor cubano. Nosso
agradecimento a Luiz Roberto Guedes.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
Jornalista e poeta, era assim que Nicolás Guillén se apresentava. Mestiço
afro-cubano, diria risonhamente num poema: “mulata, ya sé que dice/ que yo tengo
la narice/ como nudo de corbata” (‘que eu tenho o nariz largo /como nó de
gravata’). Um dos grandes poetas modernos de língua hispânica, Guillén foi
comparado a um García Lorca, por seu conteúdo humano, lirismo, riqueza rítmica e
visão social.
Nascido em 10 de julho de 1902, em Camagüey, Cuba, trabalhou como tipógrafo,
bacharelou-se em Ciências e Letras e mudou-se definitivamente para Havana em
1927. Iniciou o estudo de Direito, que abandonou para dedicar-se à poesia e ao
jornalismo. Viajou pela Europa e América, fazendo conferências e leituras de
seus poemas. Em 1930, publicou Motivos del Son, poemas inspirados no
son (a música popular cubana), o que causou um “escândalo literário”. Com
seus ritmos, queria apontar para a possibilidade de “amulatar a poética
espanhola, isto é, cubanizá-la”.
Inconformado, desde a infância, com a discriminação racial — e econômica —, o
poeta buscava opor-se, sistematicamente, aos “cânones de beleza branca, trazidos
pelos conquistadores e impostos aos escravos”. Em 1931, lançou Sóngoro
Cosongo, que desenvolvia ainda mais sua temática afro-cubana.
A partir de 1934, aprofundou o tom social de sua poesia, em obras como West
Indies Ltd., em que lamenta a submissão econômica e cultural de Cuba à
hegemonia norte-americana, prefigurando a revolución vindoura. Fundou a
Sociedade de Estudos Afro-cubanos, e publicou ainda Cantos para Soldados y
Sones para Turistas (1937), La Paloma de Vuelo Popular (1959), El
Gran Zoo (1967), Antologia Clave (1971), Summa Poética (1976).
Mais tarde, reuniria sua obra completa sob o título de El Son Entero.
Prêmio Nobel da Paz de 1955, Guillén presidiu a União de Escritores e Artistas
Cubanos, a partir de 1961, participando ativamente da política cultural do novo
regime. Faleceu em 1989.
•o•
ENCONTRO POÉTICO NA BAHIA
Uma dica para os apreciadores de poesia de Salvador. Os
editores da revista Iararana convidam para um encontro nesta quinta-feira
com a poeta paulista
Vera Lúcia de Oliveira. Escritora multipremiada, Vera Lúcia mora na Itália,
onde leciona literatura brasileira e portuguesa.
Data: 2/8/2007, quinta-feira
Hora: 20h00
Local: Restaurante Grande Sertão
Rua Adelaide Fernandes da Costa, 122 – Costa Azul
Salvador – BA
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RECITAL EM RECIFE
Esta outra dica é para o pessoal de Recife. Também nesta quinta-feira realiza-se
o recital poético Vermelho e Azul, encenação de Neemias Dinarte para
versos da poeta Cida Pedrosa.
Data: 2/8/2007, quinta-feira
Hora: 20h00
Local: SESC Santo Amaro
Rua 13 de Maio, 455 – Santo Amaro
Recife – PE
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Um sol entre as veias
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Nicolás Guillén |
Tradução de Luiz Roberto Guedes
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CHEGADA
Aqui estamos!
A palavra nos chega úmida dos bosques,
e um sol enérgico nos amanhece entre as veias.
O punho é forte
e segura o remo.
No olho profundo dormem palmeiras exorbitantes,
e o grito se nos escapa como uma gota de ouro virgem.
Nosso pé,
duro e largo,
calca o pó pelos caminhos abandonados
e estreitos para nossas colunas.
Sabemos onde nascem as águas,
e as amamos porque impeliram nossas canoas sob
os céus vermelhos.
Nosso canto
é como um músculo sob a pele da alma,
nosso singelo canto.
Trazemos a fumaça pela manhã,
e o fogo sobre a noite,
e o punhal, como um duro pedaço de lua,
próprio para as peles bárbaras;
trazemos os caimães no lamaçal,
e o arco que dispara nossas ânsias,
e o cinturão do trópico,
e o espírito limpo.
Eh, companheiros, aqui estamos!
A cidade nos espera com seus palácios, tênues
como favos de abelhas silvestres;
suas ruas estão secas como os rios quando não chove
na montanha,
e suas casas nos olham com os olhos pávidos
das janelas.
Os homens antigos nos darão leite e mel,
e nos coroarão com folhas verdes.
Eh, companheiros, aqui estamos!
Sob o sol
nossa pele suarenta refletirá os rostos úmidos
dos vencidos,
e à noite, enquanto os astros arderem na ponta de
nossas chamas,
nosso riso madrugará sobre os rios e os pássaros.
LLEGADA
Aquí estamos!
La palabra nos viene húmeda de los bosques,
y un sol enérgico nos amanece entre las venas.
El puño es fuerte,
y tiene el remo.
En el ojo profundo duermen palmeras exorbitantes,
y el grito se nos sale como una gota de oro virgen.
Nuestro pie,
duro y ancho,
aplasta el polvo en los caminos abandonados
y estrechos para nuestras filas.
Sabemos dónde nacen las aguas,
y las amamos porque empujaron nuestras canoas bajo
los cielos rojos.
Nuestro canto
es como un músculo bajo la piel del alma,
nuestro sencillo canto.
Traemos el humo en la mañana,
y el fuego sobre la noche,
y el cuchillo, como un duro pedazo de luna,
apto para las pieles bárbaras;
traemos los caimanes en el fango,
y el arco que dispara nuestras ansias,
y el cinturón del trópico,
y el espíritu limpio.
Eh, compañeros, aquí estamos!
La ciudad nos espera com sus palacios, tenues
como panales de abejas silvestres;
sus calles están secas como los ríos cuando no llueve en
la montaña,
y sus casas nos miran com los ojos pávidos de las
ventanas.
Los hombres antiguos nos darán leche y miel,
y nos coronarán de hojas verdes.
Eh, compañeros, aquí estamos!
Bajo el sol
nuestra piel sudorosa reflejará los rostros húmedos de
los vencidos,
y en la noche, mientras los astros ardan en la punta de
nuestras llamas,
nuestra risa madrugará sobre los ríos y los pájaros.
MADRIGAL
Teu ventre sabe mais que tua cabeça
e tanto quanto tuas coxas.
Essa
é a forte graça negra
de teu corpo desnudo.
Signo de selva é o teu,
com teus colares rubros,
teus braceletes de ouro recurvo,
e esse caimão escuro
nadando no Zambeze de teus olhos.
MADRIGAL
Tu vientre sabe más que tu cabeza
y tanto como tus muslos.
Ésa
es la fuerte gracia negra
de tu cuerpo desnudo.
Signo de selva el tuyo,
con tus collares rojos,
tus brazaletes de oro curvo,
y esse caimán oscuro
nadando en el Zambeze de tus ojos.
NOTURNO NOS MOLHES
Sob a noite tropical, o porto quieto.
A água lambe a inocente orla
e o farol golpeia o paredão deserto.
Que calma tão profunda e tão simplória!
Porém sobre os molhes solitários
flutua uma visagem tormentória.
Pena de cemitérios e de ossários,
que ensina em quadros-negros tenebrosos
como um mesmo penar se parte em vários.
É que aqui ficam os gritos silenciosos
e o suor feito vidro; as desmedidas
horas de muitos homens musculosos
e fracos, tolhidos pelas bridas
feito potros. As vontades sob freio,
e sem vendas, as pálidas feridas.
A grande quietude se agita. Neste seio
de paz se move e anda um grupo enorme
que come seu pão untado de veneno.
Eles dormem agora nesse informe
leito, sem descansar. Se sonham, quase
explode aqui o espírito inconforme
que na dura aurora tragará seu cálice
de sangue diário no barraco escuro,
e a um rígido ritmo ajustará o passo.
Oh punho forte, elementar e duro!
Quem te manieta o aceno aberto?
Ninguém responde nesse porto incerto.
O farol grita sobre o mar escuro.
NOTURNO EN LOS MUELLES
Bajo la noche tropical, el puerto.
El agua lame la inocente orilla
y el faro insulta al malecón desierto.
Qué calma tan robusta y tan sencilla!
Pero sobre los muelles solitarios
flota un tormentosa pesadilla.
Pena de cementerios y de osarios,
que enseña en pizarrones angustiosos
cómo un mismo dolor se parte en varios.
Es que aquí están los gritos silenciosos
y el sudor hecho vidrio; las tremendas
horas de muchos hombres musculosos
y débiles, sujetos por las riendas
como potros. Voluntades en freno,
y las pálidas heridas sin vendas.
La gran quietud se agita. En este seno
de paz se mueve y anda un grupo enorme
que come el pan untándolo en veneno.
Ellos duermen ahora en el informe
lecho, sin descansar. Sueñan acaso,
y aquí estalla el espíritu inconforme
que al alba dura tragará su vaso
de sangre diaria en el cuartón oscuro,
y a estrecho ritmo ha de ajustar el paso.
Oh puño fuerte, elemental y duro!
Quién te sujeta el ademán abierto?
Nadie responde en el dolor del puerto.
El faro grita sobre el mar oscuro.
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