Número 230 - Ano 5

São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007 

«Mas para que / Tanto sofrimento, / Se nos céus há o lento / Deslizar da noite?» (Manuel Bandeira) *
 


Carla Andrade


Caros,


Mineira de Belo Horizonte, da safra de 1977, Carla Andrade Bonifácio Gomes mora em Brasília. Jornalista, tem espírito de globe-trotter e viaja muito. Lançou este ano seu livro de estréia, Conjugação de Pingos de Chuva, volume do qual extraí os poemas ao lado.

A poesia de Carla Andrade é fortemente marcada por traços de surrealismo. Escreve Adalberto Müller no prefácio de Conjugação de Pingos de Chuva: "Seus poemas raramente estão preocupados com um lastro de realidade, parecem estar muito mais submissos a uma vertiginosa — e difícil — sedução da imagem".

Carla Andrade revela sua admiração por dois poetas brasileiros: Manoel de Barros e Ferreira Gullar. Naturalmente, ouvem-se em seus versos ecos do trabalho dos dois. De Barros vem o apreço às figuras desconcertantes: "Não existe filosofia para pássaros, / o vôo em bando não requer citação" (De "Tratado das Perplexidades").

De Ferreira Gullar, a poesia de Carla Andrade parece sofrer a influência de certos paralelismos como em: "Um sorriso de mim / gosta de multidão / Outro sorriso / mede a solidão" (Do poema "Carrossel"). Em som e ritmo, esse trecho  lembra o Gullar de "Uma parte de mim / é multidão: / outra parte estranheza / e solidão".

Quando se distancia das homenagens e ensaia a empostação de voz própria, Carla alcança notas mais límpidas. É o que se pode ver, ao lado, nos poemas "Seis e Meia" e "Saltimbancos".


Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado




                      •o•


IZACYL GUIMARÃES FERREIRA
Discurso Urbano

O poeta Izacyl Guimarães Ferreira está lançando em São Paulo mais uma coletânea de poemas. Trata-se de Discurso Urbano, publicado pela UBE e a Editora Scortecci.

Data: 17/10/2007, quarta-feira
Hora: 18h00 às 21h00
Local: Livraria Asabeça
    Rua Dep. Lacerda Franco, 187  
    Pinheiros – São Paulo, SP

 

A sedução da imagem

Carla Andrade

 



LABIRINTOS

Uma voz de degraus —
inalcançáveis —
está presa no porão
dos pensamentos.

Há muito tempo,
quando ninguém sabia
se pode mastigar o tempo
(as horas são ainda
mais mastigáveis),
ela já estava lá.

Na infância, tinha dentes.
Presas de cristal...
Era o tato
e todos os dedos do mundo
formigas estranguladas
nuvens de baralhos do céu
carrosséis berrantes da alegria.

              (Às vezes, disfarçava-se de saltos
   e, em cima das árvores, perseguia pipas).

Na adolescência, piscava aos vaga-lumes.
Cheiro de enxame, gosto de fumaça,
censura de pêlos e
textura de ferida lívida.
A voz, epílogo de beijos
(sufocados de sonhos
em capítulos rosas).

Hoje, a voz, só uma música.
Sem cor e gosto de terra:
fala palavra, cospe sílaba.
Um buraco de ecos.
Degraus inalcançáveis, sepulcros
de memórias de framboesas.

 

SEIS E MEIA

Greve de lírios
vi no seu olhar
saíram todos

no céu,
nuvens pasmas
foram incendiar.



SALTIMBANCOS

A vida é só um picadeiro de circo
Quando notamos...

Foram-se as lâminas certeiras
dos atiradores ciganos
restaram véus de purpurinas.

Apenas as lembranças rodopiam.
Ecoam em algum lugar aqui dentro
como cambalhotas sapecas.

 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007

Carla Andrade
•  Conjugação de Pingos de Chuva
   
LGE Editora, Brasília, 2007
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* Manuel Bandeira, "Tema e Voltas", in Belo Belo (1948)