Moacir Amâncio
Caros,
O jornalista, poeta e professor universitário Moacir Amâncio tem uma trajetória
literária bastante singular. Ao contrário da maioria dos escritores, ele começou
escrevendo contos e novelas e, após 15 anos sem publicar nenhum tipo de livro,
iniciou-se na poesia. Mas, como jornalista, Moacir Amâncio sempre esteve ligado
à escrita.
Outra mudança de rumo: após muito tempo trabalhando em jornais, ele tornou-se
doutor pela Universidade de São Paulo, onde também é professor de literatura
hebraica. Nascido em Pinhal (SP) em 1949, Moacir estreou na poesia em 1993, com
o livro
Do Objeto Útil. Em seguida, vieram: Figuras na Sala (1995), O Olho
do Canário (1998), Colores Siguientes (1999), Contar a Romã
(2001) e Óbvio (2004). Este ano, todas as suas coletâneas de poesia, mais
algumas séries de inéditos, foram reunidas no volume Ata, que está sendo
lançada agora pela Editora Record. Os textos apresentados ao lado foram
extraídos de Ata.
O trabalho de Moacir Amâncio tem características únicas. É uma
poesia que se situa entre o silêncio — aquilo que ela não diz
pela necessidade da síntese — e a meditação filosófica. Um bom exemplo disso é
dado pelo poema sem título iniciado pelo verso "A junção das paredes forma um
ângulo". Ali, em econômicas palavras, o poeta engendra um pensamento, motivado
apenas pela contemplação de um canto de parede.
Em "Notícia de Outono, 1987, Jerusalém", a reflexão é despertada aparentemente
pela morte do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Até aqui, os dois
poemas citados pertencem ao livro de estréia de Moacir Amâncio, Do Objeto
Útil.
Tem-se a impressão de que, nos livros seguintes, a parcimônia verbal do poeta,
que já se sentia desde o início, vai-se tornando cada vez mais marcante. Ao
mesmo tempo, ou por isso mesmo, os poemas exigem mais atenção do leitor. Atenção
não apenas no sentido de leitura concentrada, mas também pela necessidade de
preencher os silêncios e assumir certo grau de co-autoria com o poeta.
Outro aspecto que não se pode deixar de mencionar é a aparente compulsão do
autor para explorar novas possibilidades de expressão, movimento que se
evidencia inclusive na publicação de livros em outros idiomas. Colores
Siguientes é um volume todo em espanhol. No mesmo diapasão, o autor incluiu
na poesia reunida textos em inglês e também em hebraico.
Além de quatro livros de prosa publicados entre 1973 e 1982, que o autor não
pretende reeditar, ele produziu também livros de ensaio, reportagens e crônicas.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
CONFRARIA DO VENTO
A editora Confraria do Vento lança amanhã, no Rio de Janeiro, o livro
Confraria 2 Anos. Trata-se de volume comemorativo do aniversário da revista
eletrônica de arte e literatura
Confraria, publicada na internet (www.confrariadovento.com).
Data: 8/11/2007
Hora: 18h00
Local: Oi Futuro
Rua 2 de Dezembro, 63 - 8° nível
Flamengo – Rio de Janeiro
•o•
CORREÇÃO
Na edição n. 232, dei uma informação errada sobre o poeta Júlio Machado. Afirmei
que em 2002 seu livro Mimnas recebeu menção honrosa no Prêmio Nascente,
da USP. Na verdade, esse livro foi o vencedor da categoria poesia. Menção
honrosa recebeu o conto "Sacramentum", na categoria Texto do mesmo prêmio. |
Entre o silêncio e a meditação
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Moacir Amâncio |
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MITOLÓGICO
ao tentar dizer desdigo o não dito
na ausência de
pernas cavalgo
existo centauro nem raro nem mito
NOTÍCIA DE OUTONO, 1987, JERUSALÉM
O poeta está morto no
entanto eu me levanto às seis e trinta da manhã porque é hora. O sol do
fim de verão não perde tempo, as folhas ainda brilham carregadas de frutos da
noite rapidamente comidos pelo vento. O poeta está morto e eu leio o
jornal onde anunciam sua morte. Cirrose? Coração? Tristeza?
Alguns morrem de alegria. Foi o câncer? Um golpe de ar? Cansaço? Diante do
jornal tomo a xícara de café, pronto para o dia. O dia também é uma
fatalidade. Imaginem, o poeta está morto apesar do barulho das crianças.
Elas brigam, brincam, gritam, pouco importa,
o entusiasmo é o mesmo. Assim como é mesma a rotina desta manhã — ou não
seria rotina — embora nela se estenda a sombra do poeta morto.
Morto, imóvel, impassível feito qualquer morto, apesar do silêncio dos
velhos,
apesar do riso sem-vergonha dos velhos. Pregões pintando o ar.
Frutas, verduras, brinquedos.
Sempre se arranja algo pra vender que a vida urge. O leite dos filhos
nunca espera. A operação da
mulher, o carro, a passagem de ônibus, o bilhete de loteria, a camisa
nova. A camisa nova. Tudo pela hora da morte. Ah, a morte pública do
poeta.
Um automóvel, outro, mais outro, parece um rio. Olhares bailam em saltos
fluidos. Ninguém anuncia o apocalipse.
*
A junção das paredes forma um ângulo
sem beleza. Algum lixo se guarda ali. Pedaços de papel, entulho da variada
e comum origem destas coisas —
intocada reserva do caos
(De
Do Objeto Útil, 1993)
*
Amianto, o céu de Ulân Bátor dobra-se
e redobra desertos ao rasgo de olho basilisco: dentro dele navegam
fomes de vazio, de nada, mas tudo foge e o vazio é mais depois.
Exposta fica a flor na mesa à espera da tempesta nula. O vento, sem
vela não move alguns barcos que a sala ancora.
(De Figuras na Sala,
1995)
RAIN FOREST
1 O relâmpago mostra esta
eletricidade, uma flor em ação. Observá-la em nenhum vaso, fotografia
de rosto que mirasse a si próprio, mas vendo, aspecto sob aspectos,
nele a vaga presença. 2 O conversar das folhas sobre minúcias
amplas. O tumulto em detalhes a este dia acrescenta um sempre mesmo dia
guardado em lua inédita. A eloqüência das folhas dispersas, os seus vôos,
inauguram os pássaros da raiz sabedores.
(De
Contar a Romã, 2001)
MOVIMENTOS
1 sombra borboleta
pelo espelho asas abertas em v na mira do quadro luz
pétalas unas in vitro acaso
do escuro posto entre a cal e o branco 2
definição sem que se perceba ela pousa
e instala o grito na sala 3 tintas
o vidro se tinge acaso claro em duas pétalas ralas — do ar
imitam conchas de sal e de voz não sendo escuro e triz
também não * a borboleta na
lua branca pousa * cacho de reflexos o
navegar os sóis quebram osso e sal * nele mesmo ou
nela sem que a lua se dê volta o milimétrico o navegar os sóis
artrópode mole os palmeia ondeiam o céu num vai
em redondo quebram sem osso e sal * sem centro
vaga a lua olho que se agrava e lê a letra a
letra o espaço move
(De
Óbvio, 2004)
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