Número 234 - Ano 5

São Paulo, quarta-feira, 7 de novembro de 2007 

«Não amei ninguém. / Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido — / que se esfacelou nas asas do avião.» (Carlos Drummond de Andrade) *
 


Moacir Amâncio


Caros,

O jornalista, poeta e professor universitário Moacir Amâncio tem uma trajetória literária bastante singular. Ao contrário da maioria dos escritores, ele começou escrevendo contos e novelas e, após 15 anos sem publicar nenhum tipo de livro, iniciou-se na poesia. Mas, como jornalista, Moacir Amâncio sempre esteve ligado à escrita.

Outra mudança de rumo: após muito tempo trabalhando em jornais, ele tornou-se doutor pela Universidade de São Paulo, onde também é professor de literatura hebraica. Nascido em Pinhal (SP) em 1949, Moacir estreou na poesia em 1993, com o livro Do Objeto Útil. Em seguida, vieram: Figuras na Sala (1995), O Olho do Canário (1998), Colores Siguientes (1999), Contar a Romã (2001) e Óbvio (2004). Este ano, todas as suas coletâneas de poesia, mais algumas séries de inéditos, foram reunidas no volume Ata, que está sendo lançada agora pela Editora Record. Os textos apresentados ao lado foram extraídos de Ata.

O trabalho de Moacir Amâncio tem características únicas. É uma poesia que se situa entre o silêncio — aquilo que ela não diz pela necessidade da síntese — e a meditação filosófica. Um bom exemplo disso é dado pelo poema sem título iniciado pelo verso "A junção das paredes forma um ângulo". Ali, em econômicas palavras, o poeta engendra um pensamento, motivado apenas pela contemplação de um canto de parede.

Em "Notícia de Outono, 1987, Jerusalém", a reflexão é despertada aparentemente pela morte do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Até aqui, os dois poemas citados pertencem ao livro de estréia de Moacir Amâncio, Do Objeto Útil.

Tem-se a impressão de que, nos livros seguintes, a parcimônia verbal do poeta, que já se sentia desde o início, vai-se tornando cada vez mais marcante. Ao mesmo tempo, ou por isso mesmo, os poemas exigem mais atenção do leitor. Atenção não apenas no sentido de leitura concentrada, mas também pela necessidade de preencher os silêncios e assumir certo grau de co-autoria com o poeta.

Outro aspecto que não se pode deixar de mencionar é a aparente compulsão do autor para explorar novas possibilidades de expressão, movimento que se evidencia inclusive na publicação de livros em outros idiomas. Colores Siguientes é um volume todo em espanhol. No mesmo diapasão, o autor incluiu na poesia reunida textos em inglês e também em hebraico.

Além de quatro livros de prosa publicados entre 1973 e 1982, que o autor não pretende reeditar, ele produziu também livros de ensaio, reportagens e crônicas.


Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado





 

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CONFRARIA DO VENTO

A editora Confraria do Vento lança amanhã, no Rio de Janeiro, o livro Confraria 2 Anos. Trata-se de volume comemorativo do aniversário da revista eletrônica de arte e literatura Confraria, publicada na internet (www.confrariadovento.com).

Data: 8/11/2007
Hora: 18h00
Local: Oi Futuro
   Rua 2 de Dezembro, 63 - 8° nível
   Flamengo – Rio de Janeiro


 

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CORREÇÃO

Na edição n. 232, dei uma informação errada sobre o poeta Júlio Machado. Afirmei que em 2002 seu livro Mimnas recebeu menção honrosa no Prêmio Nascente, da USP. Na verdade, esse livro foi o vencedor da categoria poesia. Menção honrosa recebeu o conto "Sacramentum", na categoria Texto do mesmo prêmio.

Entre o silêncio e a meditação

Moacir Amâncio

 

 

MITOLÓGICO

ao tentar dizer
desdigo o não dito

na ausência de pernas
cavalgo

existo centauro
nem raro nem mito



NOTÍCIA DE OUTONO, 1987, JERUSALÉM

O poeta está morto
no entanto eu me levanto às seis e trinta da manhã
porque é hora.
O sol do fim de verão não perde tempo,
as folhas ainda brilham carregadas de frutos da noite rapidamente
comidos pelo vento.
O poeta está morto e eu leio o jornal onde anunciam
sua morte.
Cirrose?
Coração?
Tristeza?
Alguns morrem de alegria.
Foi o câncer? Um golpe de ar? Cansaço?
Diante do jornal tomo a xícara de café, pronto para o dia.
O dia também é uma fatalidade.
Imaginem, o poeta está morto apesar do barulho das crianças.
Elas brigam, brincam, gritam, pouco importa,
o entusiasmo é o mesmo. Assim como é mesma a rotina desta manhã —
ou não seria rotina —
embora nela se estenda a sombra do poeta morto.
Morto, imóvel, impassível feito qualquer morto,
apesar do silêncio dos velhos,
apesar do riso sem-vergonha dos velhos.
Pregões pintando o ar.
Frutas, verduras, brinquedos.
Sempre se arranja algo pra vender que a vida urge.
O leite dos filhos nunca espera. A operação da
mulher, o carro,
a passagem de ônibus, o bilhete de loteria,
a camisa nova. A camisa nova.
Tudo pela hora da morte.
Ah, a morte pública do poeta.
Um automóvel, outro, mais outro, parece um rio.
Olhares bailam em saltos fluidos.
Ninguém anuncia o apocalipse.



*

A junção das paredes forma um ângulo
sem beleza. Algum lixo se guarda
ali. Pedaços de papel, entulho
da variada e comum origem destas coisas —


intocada reserva do caos
 

               (De Do Objeto Útil, 1993)

 

*

Amianto, o céu de Ulân Bátor
dobra-se e redobra desertos
 
ao rasgo de olho basilisco:
dentro dele navegam fomes
 
de vazio, de nada, mas tudo
foge e o vazio é mais depois.
 
Exposta fica a flor na mesa
à espera da tempesta nula.
 
O vento, sem vela não move
alguns barcos que a sala ancora.


               (De Figuras na Sala, 1995)



RAIN FOREST
 
1
 
O relâmpago mostra
esta eletricidade,
uma flor em ação.
Observá-la em nenhum
vaso, fotografia
de rosto que mirasse
a si próprio, mas vendo,
aspecto sob aspectos,
nele a vaga presença.
 
2
 
O conversar das folhas
sobre minúcias amplas.
O tumulto em detalhes
a este dia acrescenta
um sempre mesmo dia
guardado em lua inédita.
A eloqüência das folhas
dispersas, os seus vôos,
inauguram os pássaros
da raiz sabedores.


               (De Contar a Romã, 2001)



MOVIMENTOS
 
 
1
 
sombra
 
borboleta pelo
espelho
 
asas
abertas em v
 
na mira
do quadro
luz
 
pétalas
unas
in vitro
 
acaso
do escuro
posto
 
entre a cal
e o
branco
 
 
 
2
 
definição
 
sem que se perceba
ela pousa
e instala
 
o grito
na
sala
 
 
 
3
 
tintas
 
o vidro se tinge
acaso claro
 
em duas pétalas
ralas — do ar
 
imitam conchas
de sal
e de voz
 
não sendo escuro
e triz também não
 
*
 
a borboleta
na
lua
 
branca
 
pousa
 
*
 
cacho de reflexos
o navegar
os sóis
 
quebram
osso e sal
 
*
 
nele mesmo ou nela
sem que a lua se dê volta
 
o milimétrico
o navegar
os sóis
 
artrópode mole
os palmeia
ondeiam o céu
 
num vai
em redondo
quebram
 
sem osso e sal
 
*
 
sem centro
vaga
a
lua
 
olho
que se agrava
e lê
 
a letra a
letra o
espaço
move


               (De Óbvio, 2004)

 

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www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007

Foto: Simon Ducroquet

Moacir Amâncio
In Ata
Editora Record, Rio de Janeiro, 2007
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* Carlos Drummond de Andrade, "Confissão", in Claro Enigma (1951)