Cida Pedrosa
Caros,
Nascida em 1963 em Bodocó (PE), Cida Pedrosa é poeta, advogada e divulgadora
cultural. Atualmente, em parceria com Sennor Ramos, edita o espaço
Interpoética e
integra a equipe do site
Escritoras
Suicidas.
Na década de 80, Cida Pedrosa coordenou o Movimento
de Escritores Independentes de Pernambuco, que promovia recitais de rua e
publicações alternativas.
A escritora estreou em livro em 1982, com a coletânea de poemas Restos do Fim.
De lá para cá, já publicou mais três volumes-solo: O Cavaleiro da Epifania
(1986); Cântaro (2000); e Gume (2005). Além disso, participou de
várias antologias coletivas e contribuiu na organização de outras publicações de
poesia.
Cida Pedrosa é uma das vozes mais expressivas em atividade na poesia brasileira.
Seus poemas têm a propriedade de combinar duas linhas de força aparentemente
opostas —
uma vertente social e outra de natureza mais íntima, embora não confessional. A
primeira linha caracteriza um trabalho que mantém os olhos bem abertos para o
que se passa ao redor, notadamente a realidade das gentes e coisas de
Pernambuco.
Nesse aspecto, a poesia de Cida Pedrosa funde-se à paisagem para gestar um
"poemapodre", "poemaponte", sufocado de "fumaça ferrugem fuligem". A cidade,
claro, é Recife, tanto no texto "Urbe", como em "O Oriente da Cidade",
transcritos ao lado. Também deve ser de Recife essa Milena, que dá título a
outro poema, funcionária que relata suas aventuras amorosas na cantina da
repartição. Igualmente recifenses devem ser o funcionário de "Morte sob Carbono"
e o trágico menino que se diverte perigosamente, pegando carona nos carros, em
"O Surfista".
Mas a mesma poeta que trata desses temas densos, com a dor visitando o
Capibaribe, também sabe dedilhar as cordas da ternura em canções de amizade,
como "Um Certo Sol sobre São Paulo" ou de entrelaçamento amoroso, a exemplo do
sutilmente erótico "O Caminho da Faca". Em poemas como "Céu de Confeiteiro", as
vertentes pública e íntima da poesia de Cida Pedrosa fundem-se no mesmo ritual.
A poeta Cida Pedrosa sabe que é sempre oportuno cantar o amor, mesmo "em tempo
de luas magras".
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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MÚSICA E POESIA
Dica para quem está em São Paulo.
O poeta Floriano Martins e o compositor Mário Montaut lançam na cidade, nesta
sexta-feira, duas obras de sua autoria: o CD Brincos do Mar e o Infinito,
dos dois, e o livro Duas Mentiras, de Floriano. O encontro terá música,
leitura de poesia e projeção de imagens.
Data: 11/4, sexta-feira
Hora: 20h00
Local: Vila Teodoro
Rua Teodoro Sampaio 1229 – Pinheiros [Esquina da Henrique Schaumann –
estacionamento na Teodoro Sampaio, 1355]
•o•
O PÓ E O PÓLEN
Recebo, de poetas brasilienses, a notícia de que destruíram, na capital federal,
uma bela iniciativa de poesia pública. Apareceram em pedaços, na semana passada,
12 mosaicos poéticos instalados em ruas de Brasília desde 2004. As peças exibiam
versos de poeta locais e foram criadas pelo artista plástico Henrique Gougon e o
Grupo Loucos de Pedra. Os responsáveis pela destruição, segundo a notícia, foram
fiscais contratados pelo Projeto Brasília Limpa. O poesia.net
solidariza-se com a indignação dos poetas brasilienses.
Acima, foto de dois dos mosaicos destruídos, que exibiam poemas de
Nicolas Behr. Abaixo, poema de Paulo José Cunha sobre o episódio:
Mesmo que os cacos dos versos
escorram pelas sarjetas
sempre há quem os recolha
para os plantar novamente
(toda poesia é semente)
Marretadas não abolem
uma verdade maior:
versos nunca viram pó
todo verso vira pólen.
•o•
poesia.net em números
O site Algumapoesia.com.br, que
abriga este boletim, registrou um recorde em março: 1399 visitantes diários
(43,4 mil em todo o período). Outro recorde de março: no dia 26, 2312
internautas passaram pelo site.
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Em tempo de luas magras
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Cida Pedrosa |
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UM CERTO SOL SOBRE SÃO PAULO
para maria josé oiticica
o sol se põe em são paulo
a brisa rasteira
rasteja meus pés
que se põem entre o azul
e o mostarda do sofá da tua sala
o sol se põe
sob os aviões da planície
e eu
pássaro aceso
espero
nesta casa de marias
que voam nas asas da panair
o sol se põe sob são paulo
e eu
pássaro sem saída
grito
teu nome de ateu
são paulo anda à margem
à margem de mim
à margem de ti
à margem de nós
são paulo anda à margem do mar
e o pôr do sol voa mais alto
que as luzes de neon
Di Cavalcanti
– Mulheres e Frutas, óleo sobre tela,
1962
— "sem a voz de milena / o café desce amargo"
MILENA
gosto quando milena fala
dos homens
que comeu durante a noite
é a única voz soante
nesta cantina de repartição
onde todos contam:
do filho drogado do preço do pão
do sapato carmim, exposto na vitrine
da rua sicrano de tal do bairro
de casa amarela
onde você pode comprar
e começar a pagar apenas em abril
sem a voz de milena
o café desce amargo
O CAMINHO DA FACA
parte em arco
rumo ao corpo amado
flecha a fera, exposta
à chaga
cruza a dor, o sonho
escuta
zunindo a lâmina
flamejante alcança
artérias e vasos
aquedutos pontes
parte em seta
rumo ao corpo amado
serena ira, ao amor
alcança
desdobra a carne
desnuda a veia
instala certeira
a eternidade
pára qual âncora
dentro do corpo amado
ferina flor, ao corpo
planta
URBE
hoje na minha boca
não cabem girassóis
cabe um poemapodre
cheiro de mangue capibaribe
um poemaponte
galeria esgoto chuvas de abril
um poemacidade
fumaça ferrugem fuligem
hoje na minha boca
cabe apenas o poema
o poema hóspede da agonia
CÉU DE CONFEITEIRO
uma fatia de céu
é dada
nesta noite de maio
quinhão que cabe ao homem
que da janela espera
a urbe apita
e o calor
se faz bruma e precipício
uma fatia de céu
é dada
aos amantes da varanda
quinhão que cabe ao amor
em tempos de luas magras
MORTE SOB CARBONO
a floresta (dentro
da sala)
espia o homem
que se apóia na caneta
nomes números nódoas
as velhas esperam
o ventilador gira
o café esfria o bigode do funcionário
— papel poeira pesares
— idades vãs
entre
um documento e outro
um carimbo e outro
uma certidão e outra
as velhas
acertam um grampo na alma
e pactuam um prazo com a morte
O ORIENTE DA CIDADE
entre pombos e putas construí poemas
a cidade era lúcida
a radiola de fichas juntava nossas coxas
os retalhos eram enfeites de salão
entre pombos e putas construí poemas
a cidade era música
cama de loucos e as mulheres livres
para o copo para o corpo para as ruas
entre pombos e putas construí poemas
a cidade era à prova de balas
a ponte era à prova de sonhos
a dor visitava o capibaribe
entre putas e pombos construí poemas
DIFERENÇA
meu amor ouve fado
não rodopia
apenas baila e espreita.
eu gosto de tango.
minha mãe sempre diz:
seus olhos são trágicos.
O SURFISTA
um tempo
passa kombi
passa corpo
passa poste
passa árvore
e o menino pendurado na lanterna
dois tempos
passa moto
passa morte
passa gente
passa carro
e o menino pendurado na flanela
três tempos
passa ônibus-bicicleta-caminhão
pega brisa
pega onda
pirueta — flamboaiã
flexão — fio de cobre
e o menino pendurado na banguela
passa a via
passa o vulto
passa a vida
passa o passo
paira o ar
sangue e vidro
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