Angélica Torres
Caros,
Natural de Ipameri (GO), a poeta e jornalista Angélica Torres Lima vive em
Brasília. Estreou em 1986 com o volume Sindicato de Estudantes. Depois,
publicou Solares (1988), Paleolírica (2000) e O Poema Quer Ser
Útil (2006). Além disso, Angélica tem outros trabalhos inéditos. Para este
boletim, pincei poemas de suas duas últimas coletâneas.
Quem lê os textos de Angélica Torres Lima consegue flagrar,
sem esforço, a sinceridade de sua poesia. Ali, adivinha-se que, por trás das
palavras, encontra-se a vida de uma mulher — de várias mulheres, não importa —,
mas vida em suas plenitudes e carências. Vida no feminino.
Muito já se escreveu sobre a existência ou não de uma poesia (ou, mais
amplamente, de uma literatura) no feminino. Eu acredito que ela existe. Não,
claro, por causa de diferenças de valor, com o sentido de isto é superior ou
inferior àquilo, mas nas formas de expressão, nas maneiras de considerar e
processar a realidade.
Pois Angélica Torres Lima produz uma poesia feminina. Isso
aparece em feição explícita em poemas como "Mulheres": "O sol me divide / nas
várias mulheres / (...) grávidas de luas". Aparece também de forma
discreta em muitos outros textos.
Às vezes o andamento é doce, mesmo quando desconsolado. É o se percebe em
"Granada no Peito" ou em "Ao Navegante". Mas os versos de Angélica também
flagram momentos mais ásperos, com "toscas palavras de sal". E também instantes
de puro jogo e deleite, como esse pequeno chiste com o espírito sintético do
haikai:
Tomara que caia
um haicai
na tua saia.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
HOMENAGEM A
JOSÉ PAULO PAES
Nesta
quinta-feira, 9/10, completam-se 10 anos da morte do poeta, ensaísta e tradutor
paulista
José Paulo Paes (1926-1998). Numa homenagem ao poeta, vários escritores vão
se reunir para ler poemas de Paes e dar depoimentos sobre ele. Haverá o
lançamento do jornal de crítica K, em número especial dedicado a José
Paulo Paes. Os depoimentos serão feitos por Carlos Felipe Moisés, Rodrigo Naves
e Viviana Bosi. Por fim, haverá leituras por Donizete Galvão, Evandro Affonso
Ferreira, Fabio Weintraub, Paulo Ferraz e Ruy Proença. Participação especial da
cantora Marlui Miranda.
Data: 9/10, quinta-feira
Hora: 19h30
Local: Casa das Rosas
Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37
–
Bela Vista
São Paulo – SP |
Palavras de sal
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Angélica Torres |
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AO NAVEGANTE
Desveste o coração
das plumas e dos pesos
da existência
Deste portal em diante
só existem paisagens:
os riscos esboçados
dos pórticos do olhar
Neles não cabe ciência,
sequer filosofia,
mas o simples gozo
de vagar
Pablo Picasso - Três Mulheres no Poço (1921)
MULHERES
Neste início de tarde
fim de manhã do verão
o sol me divide
nas várias mulheres
que me antecederam
e nas que virão
grávidas de luas
na fase obscura
com um abismo
no peito
1993
ANOITECEU
Os homens inauguram-se bruscos
como monumentos.
Toscas palavras de sal.
Dormem secas as cascas
lacrimais da madrugada
desvirginada por galos e cães
Em geometria abismal
bebem as torrentes
do sono aceso.
E o sangue foge
para um campo
vazio e sem lamas,
enquanto a Via Láctea
espreita
o leite latino
da transmutação
GRANADA NO PEITO
Estaria eu melhor
se estivesses aqui comigo
neste Café, onde Lorca
se sentava
ao sol morno de dezembro
entre os pássaros
e pombos da praça
com o peito em chamas
os olhos inflamados
o incerto destino dos sós
Vincent Van Gogh - Quarto em Arles (1888)
[O POEMA QUER SER ÚTIL]
O poema quer ser útil
ao mobiliário
da noite solitária
nesta casa.
Pergunto à Musa, respeitosamente:
— Compaixão?
Ou inveja desta
acre-doce amarga
solidão?
2001
[HAICAI]
Tomara que caia
um haicai
na tua saia.
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