Everardo Norões
Caros,
Natural de Crato, Ceará, o economista, poeta e crítico literário Everardo Norões
(1944-) é um homem do mundo: viveu na França, Argélia e Moçambique e hoje está
radicado em Recife. Estreou com o volume Poemas Argelinos, de 1981.
Depois, publicou Poemas (2000); Nas Entrelinhas do Mundo (2002);
A Rua do Padre Inglês (2006); e Retábulo de Jerônimo Bosch (2009).
Norões escreve artigos e crônicas para jornais e também se exercita na criação
teatral. É co-autor das peças Auto das Portas do Céu e Nascimento da
Bandeira, de Ronaldo Correia de Brito.
Everardo Norões tem também seu nome ligado ao do poeta e engenheiro pernambucano
Joaquim Cardozo (1897-1978). Ele organizou a obra completa de Cardozo, que
acaba de sair pela editora Nova Aguilar.
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Tive o primeiro contato com a poesia de Norões no ano passado, quando a poeta
baiana Ana
Cecília de Sousa Bastos me recomendou a leitura de alguns textos dele
disponíveis na internet. Li e fiquei vivamente impressionado. Depois, a poeta
nos aproximou virtualmente e tive a oportunidade de ler, de capa a capa, os dois
livros mais recentes de Norões: A Rua do Padre Inglês e Retábulo de
Jerônimo Bosch. A miniantologia deste boletim reúne poemas extraídos dessas
duas coletâneas.
Norões é um poeta de dicção marcante. Não é possível passar impune pelos seus
livros. Ora, ele nos captura atenção e emoção com o agreste de versos
desabridamente nordestinos: "E na garupa / do cavalo, a sentença das esporas. /
Pendentes dos estribos, estão as horas, / relampejos de facas. E o sono da
jurema" ("Tristão"). Esses versos têm a mesma pisada seca que se ouve em
"Os Encourados": A tarde chega, / a luz se dispersa. / É uma luz de sede / do
sol dos Inhamuns: / branca e calada".
Mas, afinado em outro diapasão, o lirismo de Everardo Norões também nos aparece
cantante e melodioso, como no breve poema "Corpo" ou em "Tua Fala": "Tua fala
parecia / a rede, toda bordada, /
onde a noite amanhecia". Obviamente, o ritmo aí é ainda bem nordestino, porém
marcado por um recorte íntimo, que passa longe da secura dos agrestes.
Há ainda uma terceira face do poeta cratense, que é aquela
bafejada pelos ventos do mundo. Entre os poemas mostrados aqui, ela se manifesta
especificamente em "Café". Ali se percebe o cruzamento das experiências pessoais
e leituras do poeta com a sua sensibilidade lírica. Como um Proust, ele extrai
de uma xícara de café (menos do aroma que da cor) um conjunto de sensações e
divagações nostálgicas. "De onde vem o grão / dessa saudade?"
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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LANÇAMENTOS
Um evento em Belo Horizonte e dois em São Paulo, além de outros já ocorridos e
que não puderam ser antecipados por este boletim.
Líria Porto
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Borboleta Desfolhada
Daniel Ricardo Barbosa
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Os Nomes na Máquina
Lançamento duplo em Belo Horizonte: a poeta mineira Líria Porto lança seu livro
Borboleta Desfolhada , ao lado de Daniel Ricardo Barbosa, que apresenta
Os Nomes na Máquina. Os livros saem pela Editora Canto Escuro, de
Portugal.
Data: 17/7, sexta-feira
Hora: 19h00
Local: Livraria Quixote e Café
Rua Fernandes Tourinho, 274 –Savassi, tel. (31) 3222-3077
Belo Horizonte – MG
Ruy Espinheira Filho
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Leitura de poemas
O poeta e romancista baiano Ruy Espinheira Filho lerá poemas seus e conversará
com os presentes.
Data: 17/7, sexta-feira
Hora: 19h00
Local: Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos
Av. Paulista, 37 tel. (11) 3265-6986
São Paulo – SP
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LANÇADOS
A poeta
Betty Vidigal deu a público em junho um novo livro de contos, Triângulos,
publicado pela Editora Alaúde. Trata-se de uma obra instigante, que vê as
relações interpessoais, amorosas ou não, como triângulos da geometria
euclidiana. São relações regulares, isósceles, escalenas e, às vezes, até
inscritos em quadrados.
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Saiu a primeira fornada da coleção Obras Antológicas da editora Nova Alexandria.
São Contos Antológicos de Silviano Santiago, Domingos Pellegrini,
Roniwalter Jatobá e Jorge Miguel Marinho, além de Poemas Antológicos de
Solano Trindade.
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Já nas
livrarias o número 19 da revista literária Coyote, sediada em Londrina,
PR. A edição traz poemas, contos, ensaios e quadrinhos. Em destaque, uma
entrevista inédita com João Cabral de Melo Neto, de 1993.
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A rua do padre inglês
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Everardo Norões |
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CORPO
Teu corpo
se enxuga em minha água:
calafeta,
enxágua.
Completa
o que não vem de mim.
E por ser água e calma,
sonâmbula
como a
distraída voz do lume,
lembra um vago perfume
de jasmim.
Desentranho arábias / dessa xícara
fria.
CAFÉ
Desencarno arábias
de uma xícara morna
de café.
E um fio negro
me assedia a boca.
(Através da janela
o galho de pitanga
ostenta seu adorno
encarnado).
Viajo
pelo negror do pó:
Dar-El-Salam,
Bombaim,
Áden
(sem Nizan, sem Rimbaud):
as colinas ocres,
a poeira dos dias.
De onde vem o grão
dessa saudade?
Desentranho arábias
dessa xícara fria.
Enquanto aguardo o dia
que não chega.
Desacordo e sorvo
a sombra morna
do que sou
na borra
do café.
OS ENCOURADOS
A tarde chega.
A luz se dispersa:
quem anunciará a morte,
soltará o chicote,
abrirá a fresta?
Quem domará o espaço
entre o gume e a alma,
entre a cerca e a palma,
entre o assombro e a calma?
E dormirá no cio
de árvores cativas
ao solstício das pedras,
no despencar das sombras?
A tarde chega,
a luz se dispersa.
É uma luz de sede
do sol dos Inhamuns:
branca e calada.
Os encourados se miram
num horizonte de varas.
A copa é pequena:
na redondez dos cabos,
lâminas severas.
Nem palavras:
o vento soletra a mata,
converte-se em faca.
Sumida nos esteiros,
detida nas vazantes,
segue,
na garupa,
a sina dos instantes.
Adonde vosmecê,
alumia o sobrosso,
desmazelo do corpo?
A alma se estropia
nesses retirados
dentro dos Teus lustres...
A tarde chega.
A luz se dispersa.
E uma luz de sede
do sol dos Inhamuns:
branca e calada.
Ponto de cruz ou estrela:
uma rede bordada.
De Retábulo de Jerônimo Bosch (2009)
A MÚSICA
Para Isaac Duarte
Sem pedir licença,
insinua-se pelos cômodos,
invade os espelhos,
derrama suas jarras de luz.
Vejo-a
pelos canteiros da casa,
na nitidez dos bordados
de minha mãe,
no brilhar de tua íris
quando os deuses descem
para beber a insensatez
das águas.
Depois,
ela se transforma em seios,
goiabas,
espigas.
E nua, adormece,
enquanto a lua brinca
entre meus dedos
e lagartixas
passeiam pelas pedras do pátio...
Rugero Valdini, pintor galego, Vieja
Calle de la Ciudad
A RUA DO PADRE INGLÊS
Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez.
Joga o xadrez da desgraça:
uma sombra na vidraça
é o seu parceiro demente.
(Entre a dama e o cavalo,
corre um rio de afogados).
De sua cama, ainda quente,
um bafo de nicotina.
Vem um cheiro de latrina
da cela defronte à sua.
Na rua do Padre Inglês
um louco fala francês
com acentos de Baudelaire...
(O flamboyant encarnado
se mistura ao espetáculo
da esquizofrênica rua).
O bispo toma o cavalo
das mãos da dama de preto.
(São cinco horas da tarde:
as luzes se apagam cedo.)
Batente do meio-fio:
vem vindo a sombra da noiva,
sozinha, morta de medo.
(O louco avista das grades
as andorinhas azuis
que voam feito morcegos.)
Na rua do Padre Inglês,
um cheiro de gasolina.
{O louco engendra seu mate
contra a sombra na vidraça.}
São cinco em ponto da tarde
(cinco de Ignacio Mejías,
pensa o louco em sua cela)
— dos girassóis de Van Gogh
à solidão amarela...
O cavalo solta as crinas,
a noiva voa na rua
e nas vozes de um menino
acordes de um violino.
O louco sabe que o tempo
de dormir já vem chegando...
(Corujas soltas na cela
bicam as flores de papel
e uma boneca de pano).
Corre, corre, vem depressa,
Que a noite já vem chegando!
Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez...
E na garupa / do cavalo, a sentença
das esporas.
Foto: Hugo Macedo:
www.fotohugo.blogspot.com
TRISTÃO
Em pé, ao sol e ao vento do sertão,
ele não
se decompôs.
Pedro Nava (Baú de Ossos)
As palavras no alforje. E o rosário,
a escorrer das penas e dos dias.
O azul da barba lembra uma paisagem
onde campeiam cabras. E ramagens
desatam-se em sombras nas janelas.
A morrinha dos bichos. O mormaço,
trazendo o desespero, em vez de março:
um luto atravancando as taramelas.
A sela desapeada. E na garupa
do cavalo, a sentença das esporas.
Pendentes dos estribos, estão as horas,
relampejos de facas. E o sono da jurema.
O braço descarnado, o giz dos dentes,
e o olho além do corpo do poema.
No chão do meu degredo, sempre chão,
sete frases do ofício e um bordão.
SONETO I
Agonizavam os rastros de novembro.
E os meus ossos, cansados das neblinas,
doíam, no concerto das esquinas
da cidade, onde um dia, ainda me lembro,
penetrou-se de escuro a minha alma,
quando um cão, a ladrar contra o sol-posto,
mordeu o lado oculto do meu rosto
e deixou seus sinais à minha palma.
Lembro-me que era de tarde. Ainda chovia.
O eco dos espelhos conduzia
meus passos que jaziam pelas ruas.
Havia o som da água que caía.
E no horizonte, além da agonia,
um cemitério de meninas nuas.
TUA FALA
Tua fala parecia
uma rede de varandas,
branca,
no meio da sala.
(Uma coisa que envolve
e, ao mesmo tempo, se esquiva):
gesto seco de uma chama,
morrendo,
e sempre mais viva.
Era assim, tua palavra:
escorreita, sem medida.
Falas como pés descalços,
presos à relva macia.
Ou um cheiro de curral
quando a manhã principia.
(Tua fala parecia
a rede, toda bordada,
onde a noite amanhecia).
De A Rua do Padre Inglês (2006)
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