Alexandre Bonafim
Caros,
Esta é a segunda vez que o poeta Alexandre Bonafim (Belo
Horizonte, 1976) comparece às páginas deste boletim. A primeira foi na
edição n.
188, cerca de oito anos atrás. Naquele momento, ele acabara de estrear em livro
com o volume Biografia do Deserto. De lá para cá, o escritor já se lançou
num bom punhado de novas empreitadas poéticas. Sua publicação mais recente é
O Secreto Nome do Sol (2013).
Nesta revisitação ao trabalho de
Alexandre Bonafim, organizei uma microantologia com poemas de três de seus
livros: A
Outra Margem do Tempo (2008); Sobre a Nudez dos Sonhos (2011); e o já
citado O Secreto Nome do Sol.
O trabalho de Bonafim parece, até
agora, trilhar essencialmente o mesmo rumo delineado desde sua primeira
coletânea. É uma poesia que, como destaquei há oito anos, contempla com
perplexidade o teatro do mundo. E a peça que ela vê e nos apresenta está marcada
pela carência de diálogo e pela impossibilidade de encontro.
Agora, com
o passar do tempo — e diante de uma obra muito mais densa —, é
possível destacar outras características na poesia de Alexandre Bonafim. Uma
delas é seu óbvio parentesco com certo veio da lírica portuguesa, aquele
praticado por mestres como
António Ramos Rosa e
Eugénio de Andrade.
Não que o texto do poeta mineiro seja simples
caudatário do que produziram esses mestres lusitanos. Refiro-me à similaridade
de atmosfera lírica, ao gosto pelas metáforas abstratizantes. No caso de
Bonafim, ressalta a personalização de itens como os mares, o silêncio, a
palavra, o crepúsculo. Do mesmo modo, seres bastante concretos como o pássaro e
o touro são quase sempre tomados como símbolos e tendem a se encontrar com
estrelas, mistérios, segredos.
Desçamos a uma observação mais concreta.
Não me lembro (e aqui lembrar é lembrar mesmo, não uma afirmação cabal de
inexistência) de já ter lido algum poema de Bonafim em que apareça nomeado um
lugar, ou uma personagem reconhecível. Ou seja, não se encontra uma referência
concreta (real ou inventada, não importa) a algo ou alguém como os carvoeirinhos
de Manuel Bandeira, o leiteiro de Drummond, o Severino ou a Sevilha de João Cabral.
Talvez até se possa dizer que Alexandre Bonafim especializou-se, com brilho, na criação
de imagens com esse viés abstrato e com alguns traços de surrealismo. Eis um
exemplo, que está na abertura do poema “Celebração das Marés”: “Do poema nada
nos resta / a não ser essa viagem / rumo aos mares, / esse gosto de naufrágio /
ao findar das paixões, / esse astrolábio partido”.
E sempre se reafirma
a aflição de encontrar sentidos, descobrir o nome secreto do sol ou buscar
alguma coisa imprecisa: “A vida é sempre agora, / atropelamento em esquinas
vazias, / rosto a refletir o nada nos espelhos”.
•o•
O belo-horizontino Alexandre Bonafim morou no interior de São
Paulo e hoje reside na capital goiana. É professor universitário na área de
literatura. Além de poesia, escreve ensaios e publica regularmente críticas em
jornais e revistas especializadas.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
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O secreto nome do sol
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Alexandre Bonafim
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Djanira, Vendedores em um Cais da Bahia (1959)
CELEBRAÇÃO DAS MARÉS
III
Do poema nada nos resta
a não ser essa viagem rumo aos mares, esse gosto de naufrágio ao
findar das paixões, esse astrolábio partido.
O poema, peixe
cego, barco amputado, nada nos ensina, em nada modifica a força
das marés.
Rastro de espuma na pele dos acasos, o poema finca
as âncoras no sal, na eternidade, onde nossas ausências ardem o
grito dos corais.
O poema é nudez precária, procela sem ventos,
sem nuvens. Quando nele adormecemos, acordamos com os ossos
fraturados, vergastados pelas maresias.
O poema é tão inútil
quanto o mar ao fim da tarde.
Por isso seu esplendor é límpido
como a beleza do silêncio.
Djanira, Estudo, sem data
XVII
Imprescindível era
guardar no cerne do corpo o secreto nome do mar.
O coração
tornou-se a chaga viva de uma palavra que jamais cicatriza.
II
Basta fechar os olhos, para que o silêncio, o mais
distante, contorne tua face constelando-a onde nunca estarás. Para
tanto, abraçaste o desassossego de itinerários silenciados pelas
estrelas. Soubeste o nome de tua dor mais reclusa? Só, ergueste os
braços para o que nunca soubeste e havia apenas um rastilho de madrugada
convidando-te para o banquete das palavras as mais delicadas, as nunca
ditas.
VII
À beira do meu corpo está o touro. A
alegria é o coração de um pássaro recém-nascido.
De O
Secreto Nome do Sol (2013)
Djanira, Festa do Divino em Paraty (1962)
[A VIDA É SEMPRE SÚBITA]
a Roseana Murray
A vida é sempre súbita, como folha a
cair na rua, pássaro recém-nascido a despencar do ninho.
A vida é
sempre susto, choque elétrico a cortar a carne, farpa a estilhaçar a
pele.
Nada nos protege desse frio. Nada nos ampara dessa nudez.
A vida é sempre agora, atropelamento em esquinas vazias, rosto a
refletir o nada nos espelhos.
De Sobre a Nudez dos Sonhos
(2011)
Djanira, Três Orixás (1966)
[HÁ DIAS EM QUE OS PÁSSAROS TARDAM A REGRESSAR]
These are the days when Birds come back —
A very few — a Bird or two — To take a backward
look. Emily Dickinson
a Geri Aparecida Biotto Bucioli
Há dias em que os pássaros tardam a regressar, manhãs em que o
inverno pousa, em nossa nudez, as horas da esquecida infância. Nesses
momentos, o crepúsculo nunca se despede de nossos olhos, as folhas não
afagam o vento: somos, inteiros, uma doce melancolia a gestar as
primaveras. Há dias em que os pássaros são a promessa de um milagre.
De A Outra Margem do Tempo (2008)
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